Depois de uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) que extingue cargos em comissão para artistas criados no Teatro Guaíra em 2003, bailarinos e músicos que já estão há mais de 15 anos no balé e na orquestra sinfônica esperam o andamento do caso com preocupação.
Enquanto não recebem respostas definitivas, os ocupantes dos cargos continuam o trabalho em clima de incerteza.
“É horrível, especialmente agora, que estamos cheios de montagens e trabalhando muito”, conta Fábio Valladão, bailarino do BTG desde 1999 e ocupante de cargo comissionado desde que esta modalidade foi criada, em 2003, no governo de Roberto Requião (PMDB).
Entenda o caso
Atendendo a uma ação do Ministério Público do Paraná, o TJ-PR julgou inconstitucional o uso de cargos em comissão para funções artísticas no Teatro Guaíra. A decisão foi publicada nesta segunda-feira (25), com efeito imediato. Para evitar a exoneração de 22 dos 24 componentes do Balé Teatro Guaíra (BTG) e 27 dos cerca de 70 integrantes da Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP), o governo do estado pediu à corte um prazo para regularizar a situação. Ainda não há previsão de julgamento do pedido. A extinção dos cargos inviabiliza a continuidade dos trabalhos dos grupos artísticos. O Teatro Guaíra quer utilizar o prazo para estruturar o Serviço Social Autônomo PALCOPARANÁ, que poderá contratar os artistas em regime celetista.
O BTG havia acabado de voltar de uma apresentação na Noite de Gala do Festival de Dança de Joinville, na segunda-feira (25) – onde leu, no palco, uma carta de esclarecimento ao público sobre a situação. Nesta quarta (27), ensaiava para mais uma apresentação fora de Curitiba (o BTG se apresenta no fim da semana em Recife).
É praticamente uma tortura diária não saber o que vai acontecer. Todos os dias pedimos por notícias. Amanhã estamos indo viajar sem saber se vamos chegar lá exonerados.
“É praticamente uma tortura diária não saber o que vai acontecer. Todos os dias pedimos por notícias. Amanhã estamos indo viajar sem saber se vamos chegar lá exonerados”, diz Valladão. “Além do cansaço físico, temos que administrar tudo isso, e ainda continuar apresentando um trabalho de qualidade para as pessoas, sem entregar os pontos. Estamos fazendo o máximo, mas estamos 24 horas por dia sob tensão”, conta o bailarino.
Valladão diz que, além de colocar em risco o restante da temporada, a insegurança tem gerado estresse na vida pessoal dos componentes do grupo. “Todo mundo tem família. Estou aqui há 17 anos, minha filha nasceu aqui. A gente depende disso. Não é que a gente faça balé só porque gosta. Faz porque é nossa profissão”, diz.
OAB vai pedir providências ao governo
A OAB do Paraná vai pedir ao governo do estado providências para salvar a Orquestra Sinfônica e o Balé Teatro Guaíra. Segundo texto divulgado nesta quarta-feira (27), a entidade recebeu a Ação Direta de Inconstitucionalidade “com apreensão” e vai encaminhar ofícios ao governador Beto Richa (PSDB), ao secretário de Cultura, João Luiz Fiani, e ao Procurador-Geral de Justiça do Paraná, Ivonei Sfoggia. A intenção é manifestar preocupação com o risco de descontinuidade ou redução das atividades dos grupos artísticos. No texto publicado no site da instituição, o advogado Luiz Gustavo Vardânega Vidal Pinto, presidente da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR, afirmou que faltou ao governo se preparar para fazer as mudanças necessárias no modelo de contratação quando a questão foi levantada pelo Ministério Público.
Para ele, a fragilidade do BTG, hoje quase completamente dependente dos cargos em comissão, também é um golpe na profissão de bailarino no Paraná. “Quem faz balé no Paraná tem o BTG como referência. É a única companhia realmente oficial do estado”, explica.
É triste, não só pela preocupação com o salário, mas pelo amor que temos pela arte e pela dança. Temos paixão por fazer isso, então é difícil lidar emocionalmente com a situação.
Daniel Siqueira, integrante do grupo desde 2000, diz que a incerteza está tendo impacto sobre todos os componentes. “É triste, não só pela preocupação com o salário, mas pelo amor que temos pela arte e pela dança. Temos paixão por fazer isso, então é difícil emocionalmente lidar com a situação”, conta. “Queremos continuar representando com excelência o nome do BTG, que é um marco na história do Paraná”, diz.
Orquestra
O músico André Ehrlich, clarinetista da OSP desde 1998, diz que o clima na orquestra também é de apreensão. “No ensaio em que recebemos a notícia do julgamento, o rendimento foi muito baixo. Precisamos de concentração total, e estava muito difícil. Só nos próximos dias é que fomos nos recuperando”, conta. “Agora, voltei a dormir um pouco diante da perspectiva de prorrogação dos contratos. Mas passei duas semanas muito mal.”
Se perdermos nossa renda proveniente da orquestra, ou mudamos de profissão ou de estado. Estou aqui há 18 anos. Tenho família, raízes estabelecidas. E já não somos mais tão jovens.
O clarinetista conta que, assim como o BTG, a orquestra é uma das principais perspectivas profissionais para músicos eruditos no Paraná. “Se perdermos nossa renda proveniente da orquestra, ou mudamos de profissão ou de estado. Estou aqui há 18 anos. Tenho família, raízes estabelecidas. E já não somos mais tão jovens”, diz.
Cristine Marquardt, há 15 anos violinista na OSP, espera que a crise termine com uma saída que solucione definitivamente a insegurança jurídica dos artistas no Guaíra. Mas diz que a possibilidade da perda dos cargos depois de tanto tempo de dedicação ao grupo gera tristeza.
“A gente faz parte da história da orquestra, assim como da história do teatro. Esperamos que isso não tenha sido em vão”, diz. “A orquestra é um símbolo do Paraná. Esperamos que os políticos e o judiciário encontrem uma forma de continuarmos.”
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