Os herdeiros do legado do músico Frank Zappa (1940-1993) estão em guerra pelo uso do nome do musico e a administração dos direitos autorais de sua obra. O caso veio à tona no início de maio.
Um dos quatro filhos de Zappa, Dweezil, de 46 anos, montou em 2006 um projeto chamado Zappa Plays Zappa, para tocar o repertório do pai. Em 2008, venceu o prêmio Grammy de melhor performance instrumental de rock. O artista gráfico brasileiro Ramon Muniz participava da identidade visual do projeto. No início do mês, porém, ele anunciou que o nome da banda tinha mudado.
A alteração decorreu de uma briga familiar que começou a partir da morte do astro, em 1993. Sua viúva, Gail Zappa, tem administrado seu legado com mão de ferro desde então. Falecida em 2015, ela passou para os dois filhos que teve com Frank, Diva e Ahmet, a curadoria do espólio de Zappa, incluindo as marcas comerciais e de licenciamento de música.
Os dois conseguiram na Justiça uma decisão que impede Dweezzil e sua irmão Moon de usar o nome do pai e o ameaça com multa de US$ 150 mil (cerca de R$ 540 mil) a cada vez em que ele tocar uma música sem permissão.
“Nenhum outro artista do rock teve o mesmo impacto na sociedade”
Em entrevista, Bob Zappa fala do livro de memórias que narra a vida com o irmão Frank Zappa
Leia a matéria completaA decisão ainda barrou a produção de um documentário sobre Frank Zappa que seria dirigido pelo cineasta Alex Winter e também sobre um projeto de recuperação do Vault (um porão onde estão as gravações. Matrizes de fitas, filmes e arquivos de Frank Zappa).
Diante dos protestos do fã-clube de Zappa pelo mundo, os dois projetos recuaram e os irmãos Dweezil e Ahmet, que eram ligados a ponto de terem gravados álbuns juntos, hoje só se falam por advogados e cartas publicadas na internet.
“Meu último nome é Zappa; meu pai era Frank Zappa”,disse Dweezil. “Mas não posso usar o nome por conta própria. Não posso usar uma foto dele. Não posso usar minha conexão com ele”.
Irmão de Frank e autor de uma biografia que conta como foi a infância do astro experimental do rock, Bob Zappa disse em entrevista ao Caderno G que tudo decorreu de uma manipulação de Gail, a última esposa de seu irmão. “A alegação de que o objetivo era proteger o legado musical de Frank é falha. O público não ficou sabendo dos detalhes misteriosos e abusos legais que criaram esta disputa”.
Brigas de Família
A música pop é pródiga em exemplos de disputas fratricidas entre herdeiros pelos bens e direitos dos artistas mortos. No Brasil, o caso recente mais rumoroso foi a disputa pelo nome e pelo catálogo da banda Legião Urbana entre os membros remanescentes da banda, Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá e Giuliano Manfredini, filho do cantor Renato Russo.
Especialista em direitos autorais, o advogado Alexandre Pesserl explica que no caso de disputas entre herdeiros de artistas é preciso separar os direitos de Imagem dos direitos do autor.
O direito de imagem é pelo Código Civil e seus limites foram objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade para contestar a “censura” a biografias, dizendo que a legislação cível conteria regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação. “O Código Civil previa a autorização dos herdeiros para qualquer uso ‘comercial’ da imagem, o que levou a inúmeros abusos. Em tese, a orientação do STF veio pra pacificar isso aí, abrindo a exceção para usos históricos e didáticos.”
A questão dos direitos autorais, regulados por lei específica é diferente. Eles se estendem por 70 anos após a morte de autor, na maioria dos casos. Os conflitos surgem por que podemos ter diversos herdeiros com diferentes pontos de vista que podem discordar entre si.
“Uma solução seria o autor transferir em vida seus direitos patrimoniais para uma editora, a qual realizaria a gestão das obras e repassaria royalties para a família, dessa forma profissionalizando a situação; ou prever tal situação em testamento, nomeando um síndico (advogado ou outro profissional)”.
Pesserl observa ainda que existe um entendimento da supremacia do interesse público o qual pode autorizar algum uso determinado em detrimento da vontade dos herdeiros, mas apenas mediante ação judicial.
Herdeiros em Guerra
Veja outros quatro casos em que o legado de artistas virou motivo de disputa entre herdeiros
Richard Wagner
Netos do compositor brigaram na Justiça sobre a direção do Festival de Bayreuth, o maior festival de ópera do mundo inaugurado pelo próprio Richard Wagner em 1876. Depois de 57 anos comandado pelo neto Wolfgang Wagner, o evento passou à mão de outras duas netas após decisão judicial em 2015.
Legião Urbana
EM 2014, a Justiça do Rio de Janeiro autorizou o uso do nome Legião Urbana por Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá, ex-integrantes do grupo. Eles disputavam o direito ao uso da marca com Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo, morto em 1996.
Tim Maia
Uma disputa entre Adriana Pereira da Silva,ex- secretária do cantor Tim Maia, e Carmelo Maia, o único filho registrado pelo artista, colocou no limbo o lançamento de cinco discos e relançamentos. Na realização do musical “Vale Tudo”, Carmelo também pediu na Justiça o direito de alterar o roteiro da peça.
Carmen Miranda
Um imbróglio judicial entre a família da cantora e a produtora Paula Lavigne, dona dos direitos biográficos de Carmen para fazer um filme, se arrasta na Justiça . O impasse impediu que projetos como um musical com Daniela Mercury no papel principal, uma minissérie de TV e um roteiro do cineasta Pedro Almodóvar fossem adiante.
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