David Foster Wallace ficou conhecido por usar muito e de jeitos inesperados um recurso pouco comum na literatura: a nota de rodapé.
Numa das notas de “Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo”, a sexta delas, depois de explorar as principais ferramentas do ensaio pessoal (baseadas no tripé intimidade-confiança-sinceridade), Wallace resolveu estraçalhar uma das mais prezadas por Phillip Lopate, a “modéstia irônica”, definida como um modo-padrão de funcionamento do ensaísta. E peço licença para repetir: isso tudo – explorar bem todas as ferramentas e estraçalhar uma delas – ele fez numa única nota de rodapé. Aliás, notas de rodapé se revelam uma maneira ótima de puxar o leitor num canto e fazer um comentário ao pé do ouvido, aumentando a intimidade (algo valioso para um ensaio pessoal).
Para tentar mostrar o que ele fez na tal nota de rodapé, seria legal se você a lesse na íntegra. A nota é relativamente longa e funciona como um aparte sobre o turismo praticado por americanos dentro dos Estados Unidos:
Jornalista faz o quê?
Boa parte do jornalismo (e uma parte realmente boa dele) vive do negócio de vender experiências; nesse mercado, o escritor David Foster Wallace é único e imitado por muitos exatamente por isso
Leia a matéria completa“Na verdade, muitas coisas podem ser ditas a respeito das diferenças entre a população de classe trabalhadora de Rockland e o sabor acentuadamente populista do seu festival versus a confortável e elitista Camden [as duas comunidades da região em que ocorre o Festival da Lagosta] com sua paisagem caríssima, suas lojas tomadas inteiramente por suéteres de 200 dólares e fileiras de casas vitorianas transformadas em pousadas de luxo. E também a respeito dessas diferenças como os dois lados da grande moeda que é o turismo nos Estados Unidos. Muito poucas delas serão ditas aqui, exceto para amplificar o paradoxo supramencionado e revelar as preferências pessoais deste correspondente. Confesso que nunca entendi por que a ideia de férias divertidas de tantas pessoas é calçar chinelos e óculos de sol e se arrastar por um tráfego enlouquecedor até locais turísticos quentes e lotados com o intuito de provar um “sabor local” que por definição é arruinado pela presença de turistas. Isso tudo pode (como meus companheiros de festival não se cansam de apontar [ele se refere aos pais e à namorada que o acompanham]) ser uma questão de personalidade e gostos inatos: o fato de eu não gostar de locais turísticos significa que nunca vou compreender seu encanto, e assim provavelmente não sou a pessoa indicada para falar sobre isso (o suposto encanto). Mas como é quase certo que esta nota de rodapé não vai sobreviver ao editor da revista, aqui vai: Do meu ponto de vista, é provável que ser turista faça mesmo algum bem para a alma, mesmo que apenas de vez em quando. Não que faça bem para a alma de algum modo revigorante ou alentador, todavia, mas de um jeito severo e obstinado de vamos-encarar-os-fatos-com-honestidade-e-tentar-encontrar-um-modo-de-lidar-com-eles. Minha experiência pessoal não é a de que viajar pelo país seja relaxante ou amplie horizontes, ou de que mudanças radicais de lugar e contexto tenham um efeito salutar, mas sim de que o turismo intranacional é radicalmente constritivo e humilhante da pior forma – hostil à minha fantasia de ser um indivíduo genuíno, de viver de algum modo fora e acima de todo o resto. (Agora vem a parte que meus companheiros julgam especialmente infeliz e repelente, um modo garantido de arruinar qualquer diversão em uma viagem de férias:) Ser um turista massificado, para mim, é se tornar um puro americano contemporâneo: alheio, ignorante, ávido por algo que nunca poderá ter, frustrado de um modo que nunca poderá admitir. (...) É confrontar, em filas e engarrafamentos, transação após transação, uma dimensão de si mesmo tão inescapável quanto dolorosa: na condição de turista você se torna economicamente significativo mas existencialmente detestável, um inseto sobre uma coisa morta.”
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