Com sabor de pinhão
Quem disse que no Paraná não há samba? Na década de 1940, a Vila Tassi era o reduto de pandeiros e violões animados. A região, que levava o nome do proprietário daquelas terras, era o reduto dos trabalhadores da estação ferroviária e abrangia parte do que é hoje a Vila das Torres e o Jardim Botânico.
Saem de cena os sapatos lustrosos, a caixa de fósforo. Sai de cena a malandragem, que encontra lugar em um boteco suburbano e possibilidades criativas em um guardanapo de papel. Ganham vez a guitarra, os amplificadores, os temas de nossos tempos cantados por vozes joviais e antenadas. O que permanece é o samba, impregnado em novos artistas que movem a roda da mais tradicional música feita no Brasil.
Deixando de lado a "meia-idade" do gênero, que tem representantes como Martinho da Vila, Jorge Aragão e Arlindo Cruz, uma nova safra de músicos seria preguiça reducionista chamá-los meramente de sambistas , constroem um novo e interessante cenário, que aos poucos ganha vez nos palcos, nas rádios e nas gravadoras.
"Qualquer um que queira mexer com a música popular brasileira vai ter de passar pelo samba. E São Paulo tem esse desapego com a tradição. Aqui, as coisas mais se desenvolvem do que se criam", sintetiza Rômulo Fróes, um dos expoentes dessa cena em ebulição. Consagrado no ano passado com o álbum duplo No Chão sem o Chão, Rômulo, intérprete contido, dá vazão à sua música subvertendo o samba tradicional. Há cavaquinho, há violão de sete cordas, mas há violinos, violoncelos e guitarras barulhentas.
"Sim, o samba faz parte de mim, não há como fugir disso. E aqui é o grande lugar da música popular brasileira hoje. É para onde as coisas estão convergindo. Mesmo se um sujeito chegar aqui e quiser fazer um samba puro, ele vai ser contaminado pelo maracatu de Recife e pelo rock de Porto Alegre. E isso é ótimo", avalia Fróes, que emplacou seu último trabalho em várias listas de melhores do ano. Detalhes cruciais: o músico ouviu muito Adoniran Barbosa e considera Nelson Cavaquinho um expoente do que hoje chama-se de "samba experimental". "Ele tocava só com dois dedos, tinha um estilo inigualável. É muito mais experimental que todos esses que se consideram diferentes", argumenta.
Outro da trupe responsável por dar corda ao gênero é Rodrigo Campos. Também destaque ano passado com o excelente São Mateus Não É um Lugar Assim Tão Longe, o paulistano aponta dois caminhos possíveis para o samba do século 21. Haveria um movimento tradicionalista, com função primeira de preservar as composições de outrora, mas também aqueles que utilizam o samba já consolidado como matéria prima. "Procuramos fazer dele um outro gênero. Eu faço parte dessa turma que transforma o samba, que o subverte, que tenta trazê-lo para os dias de hoje. Adoro essa falta de reverência, isso faz com que tenhamos liberdade para mexer no que é sagrado sem se sentir um usurpador", afirma Campos.
O trunfo do músico, parceiro da também atuante Mariana Aydar, foi retratar em sambas o bairro suburbano em que nasceu. São Mateus é visto com olhos poéticos e sensíveis, fato que cria um túnel do tempo com a "alvorada lá no morro", cantada por Cartola. "É aquele clichê mesmo. Para ser universal, é só falar da sua aldeia", justifica Campos, adepto da boina e do cavaquinho.
Outros inúmeros artistas poderiam ser citados como bons exemplos do que seria o samba feito hoje no Brasil. Dentre eles está a banda Numismata, também paulista. No ótimo Chorume, disco lançado em 2009, o grupo bebe do bom-humor de Noel Rosa e da tradição de Adoniran para tecer um emaranhado sonoro que não encontra fácil definição. Nas palavras de Pedro Luis, há "sinais de nascença evidentes de quem ouviu muitas e várias pérolas de nosso cancioneiro nacional". Pode ser o que for, o samba está embutido.
Lucas Santtana, Kiko Dinucci e Curumim são outros nomes que merecem atenção nesta cena crescente, que revigora com falta de reverência oportuna o que já foi feito e abre novas portas para que o samba continue a ter o seu lugar.
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