| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Dia desses um caro amigo que está chegando aos 30 anos, virou para mim, todo sério, compenetrado até, e disse: "Acho tão bonito isso de ser romântico. Mas hoje em dia não dá mais, não. Ficou cafona".

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Diante do tom quase solene, embora algo hesitante e desacorçoado, com que essas palavras me foram ditas, fiquei matutando e, finalmente, comecei a rir. Não dele, ou do fatalismo contido em

suas palavras, mas da tentativa vã do rapaz, por meio da racionalidade forjada em seu discurso, de querer se vacinar contra algo sobre o qual nenhum de nós tem lá muito controle.

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Está certo, concordo, o romantismo, como forma de enxergar o mundo, se tornou uma espécie de atalho quase infalível para uma derrapada já na primeira curva da estrada de Santos. O cinismo, a ironia e a contenção dos sentimentos parecem estar mesmo no topo da lista do manual de instruções daqueles que desejam um voo sem as turbulências da pessoalidade e do risco. Há quem prefira viver a vida assim mesmo, sem aventuras, em velocidade de cruzeiro. Seguro de que chegará incólume ao destino.

É uma receita possível de ser concretizada aos olhos dos que desejam "se poupar" de dissabores e contrariedades, seja lá o que isso queira dizer na prática. Mas também há quem seja sentimental. Não por escolha, mas por vocação.

Fazer uma tempestade caber em um copo d’água, ou transportar um elefante, asiático ou africano, no interior de um fusca, são missões impossíveis para o sentimental. Assim como convencê-lo a adequar o turbilhão emocional, o arrebatamento em que vive, à cadência morna e monocórdia de uma realidade regida pela razão – não me entendam mal, não estou aqui a proferir um discurso em defesa de um ser em constante estado de autoengano, desprovido de bússolas, mas de alguém cujo Norte é, por natureza, sensível.

Talvez por isso que seja tão difícil para uma pessoa que se defende do mundo por meio da ironia suportar os revezes do convívio com o sentimental, mais sujeito às chuvas e às trovoadas da realidade, e que, por vezes, até busca essas intempéries para encontrar um certo sentido na vida. Por mais que se disfarce, e oculte de muitos essa sua condição.

O irônico e o sentimental não são seres, necessariamente, incompatíveis, e às vezes, até por conta dos contrastes, das diferenças que os separam, acabam fazendo bem um ao outro. Equilíbrio de forças, isso se chama. Sem falar naqueles – e não são poucos – que sofrem de uma certa bipolaridade, e oscilam entre a passionalidade e a razão, por vezes no mesmo dia.

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Se ser romântico ficou cafona ou não, isso eu já não sei. Até porque o conceito de gosto duvidoso depende muito das circunstâncias espaço-temporais, das preferências do freguês.

Concordo, no entanto, em um ponto com meu amigo, que acredita ter a obrigação de chegar, nem que seja na marra, ao cume da maturidade aos 29 anos. É mesmo uma dureza encarar o desequilíbrio quando o assunto é a administração dos afetos. Sabe aquela história na qual uma das partes envolvidas gosta e investe tanto, que acaba virando uma espécie de caminhão reboque, responsável por todo o esforço emocional de uma relação, enquanto o veículo tracionado apenas aprecia a paisagem de boa, com o rádio ligado?

Daí, não há mesmo romantismo, irônico ou sentimental, que resista.

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