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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Mesmo que não seja verdade, é uma das mais bem contadas histórias da América Latina. No final do século 18, o explorador e naturalista alemão Alexander von Humboldt desbravou os territórios selvagens de países como Colômbia, Equador, Peru, Cuba e México.

Na Venezuela, na selva do rio Orinoco, Humboldt ganhou de presente um papagaio dos chefes da tribo indígena Caribe. O bicho falava qual o homem da cobra (ou da Anaconda), porém a medida em que foram convivendo, Humboldt percebeu que seu papagaio não falava a língua da tribo Caribe e, sim, o idioma de uma tribo totalmente exterminada anos antes, os Maipuré. Na verdade, o papagaio era o único falante vivo dessa língua que levava o mesmo nome da tribo extinta.

Piada ou não, a história é ótima. E, sem querer fazer spoiler, foi replicada por Oswald de Andrade na figura do papagaio–xamã que se revela, ao final, o narrador do livro Macunaíma.

A ideia também inspirou uma das exposições mais impressionantes que já tive chance de ver. Sob a curadoria do Alfosn Hug, homem forte do Instituto Goethe no Brasil, a mostra O Papagaio de Humboldt esteve posta no centro Oi Futuro Flamengo no Rio de Janeiro até o final do mês passado. E vai, de maio a novembro, representar o Brasil na 56.ª Bienal de Arte de Veneza na Itália.

Para a mostra, Hug pediu a vários artistas latino-americanos que produzissem material de áudio com idiomas falados por povos das Américas. A exposição consiste na reprodução destes trabalhos em caixas de som penduradas nas paredes das salas que emitem sem parar os sons das línguas ameríndias; algumas extintas, outras em vias de. A maioria, bem ameaçada.

Quem para no meio da sala se sente numa espécie de missa pagã em que as várias vozes se misturam criando uma música improvável. Quem se aproxima de cada alto falante, toma contato com o som distinto de cada língua. Há registros de conversas, leituras de poemas, de orações, cantos tribais...

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O trabalho mais impressionante é do artista chileno Rainer Krause. Ele conseguiu entrevistar a única falante do idioma yámana da Terra do Fogo, Cristina Calderón, nascida por volta de 1938, em Puerto Williams, a cidade mais austral da patagônia chilena.

A língua é um grunhido com fonemas curtos e sôfregos. Que esta pesquisa a tenha salvaguardado é motivo de todas as loas, pois assim como o papagaio da lenda resgata não apenas um precioso patrimônio linguístico, mas também uma forma de ver e viver o mundo, uma genuína visão de mundo e do ambiente, uma leitura do universo que não mais se conseguirá acessar.

Hug explicou que a população indígena da América Latina soma 28 milhões de pessoas. Em todos os países, são faladas mais de 600 línguas ameríndias, o que corresponde a 10% dos idiomas falados em todo o mundo. Ele estima, porém, que 85% das línguas que estavam vivas no ano de 1500 tenham sido extintas. É possível ouvir os registros do projeto no site http://universes-in-universe.org/.

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