Meu sogro, um antropólogo, gosta de falar sobre a ocasião em que comeu um pênis de cachorro. Ele estava visitando uma cidade remota da Coreia do Sul e o prefeito o convidou para almoçar. Uma vez consumida a sopa de cachorro (nada demais), a garçonete trouxe o pênis cozido numa bandeja de prata. O prefeito fez um corte longitudinal com uma tesoura e serviu metade a cada um deles.
“O gosto era exatamente igual ao de tripas”, disse meu sogro. “Sempre pensam que direi que tem gosto de frango, mas não parecia com frango de jeito nenhum.”
Antropólogos estão no extremo final do que costuma ser uma regra universal da hospitalidade: quando um anfitrião oferece comida, você come. É uma demonstração de confiança, um sinal de pertencimento. Recusar a refeição de alguém é rejeitar essa pessoa.
Mas, como qualquer um que recentemente tenha tentado organizar uma festa de aniversário ou um jantar num país de língua inglesa sabe, essa regra não importa mais. Esqueça o pênis de cachorro; tente oferecer aos visitantes lasanha (não é comida vegana, não é livre de glúten e não poderia ter sido preparada por um homem das cavernas).
Nossos hábitos cada vez mais seletivos para comida são o tema de uma coleção francesa de ensaios acadêmicos, também publicada em inglês com o título “Selective Eating: The Rise, Meaning and Sense of Personal Dietary Requirements” (“Seletividade Alimentar: a Ascensão, o Significado e o Sentido das Exigências de uma Dieta Pessoal”). O editor, Claude Fischler, um antropólogo social, escolheu o tema depois de descobrir que nem mesmo seus pares são exceção. Uma colega australiana disse que pediu ao grupo de aborígines que estudava que encaixassem na rotina sua dieta livre de glúten. Dieta essa adotada por livre escolha e não por razões médicas.
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Leia a matéria completaTendo vivido nos Estados Unidos e na França, já estive em ambos os lados da barreira da seletividade alimentar. Sei que é cansativo ouvir sobre os paradoxalmente fabulosos hábitos alimentares dos franceses. Mas não foi por acaso que a Unesco classificou a refeição francesa como patrimônio cultural intangível da humanidade. Vale a pena analisar como eles lidam como os chatos para comer.
Quando cheguei a Paris, há cerca de uma década, eu era vegetariana (sem ser enjoadinha) e estava em uma dieta de baixo carboidrato. Parecia razoável em Nova York, mas deixou os parisienses atordoados. Os restaurantes empacavam para fazer substituições. Os anfitriões não perguntavam pelas minhas restrições alimentares.
Em um estudo, 68% dos adultos franceses disseram que se forçam a comer de tudo quando são convidados a ir à casa de alguém. Uma acadêmica parisiense contou-me ter se irritado com uma convidada americana que pediu uma opção vegetariana. “Embora ela fosse extremamente amistosa e agradável – nunca mais!”
Há vegetarianos franceses, também, é claro. Muita gente aqui faz dieta, inclusive as de baixo carboidrato. Massa sem glúten está disponível no supermercado. Mas as pessoas pegam leve quanto aos hábitos alimentares adotados por gosto. O senso comum – o que todo mundo, de especialistas até a minha amiga francesa, toma como dogma de fé – diz que dietas restritivas geralmente não tornam ninguém mais saudável nem mais magro. É melhor comer moderadamente uma variedade de alimentos de alta qualidade e prestar atenção para saber se realmente estamos com fome.
É melhor comer moderadamente uma variedade de alimentos de alta qualidade e prestar atenção para saber se realmente estamos com fome.
Em “Selective Eating”, Jean-Denis Vigne, do Museu Nacional de História Natural da França, conclui que a dieta do Paleotítico é “mais inspirada pelo mito do bom selvagem que pelas realidades reveladas pela ciência” e que os humanos são onívoros adaptáveis.
Ser chato para comer interfere em outro aspecto chave das refeições francesas: o compartilhamento da experiência com a comida. Na França, “comer não é algo que cumpre meramente o propósito de nutrir biologicamente o corpo, mas também uma forma de alimentar os laços sociais”, escreve a psicóloga social Estelle Masson em “Selective Eating” [o livro dela tem o mesmo nome do de Vigne].
Isso pode parecer excessivamente formal. Quando convidei franceses para uma pizza e para assistir ao futebol na TV, eles automaticamente se juntaram na sala de jantar para uma refeição à mesa. (Eu, ingenuamente, havia imaginado comer pizza sem sair do sofá.)
Nós, anglófilos, temos razões para adotar dietas estranhas. Cada vez mais, vivemos sós. Temos uma oferta sem precedentes de alimentos para escolher e nem sempre sabemos o que eles contêm ou se são saudáveis. E esperamos personalizar praticamente tudo: a criação dos filhos, as notícias, os medicamentos e até nossos próprios rostos.
De qualquer modo, não estamos tentando ter experiências com comida compartilhada. Fischler diz que em seus grupos de estudo os americanos frequentemente descrevem a alimentação como parte de uma jornada individual de autodescoberta, em que cada pessoa tenta “encontrar, com o tempo e a experiência, qual é sua verdade nutricional e como satisfazê-la”.
Mas a seletividade para comer pode não nos levar a ser melhores. Desde que tenho vivido na França, tem surgido uma série de estudos apontando a sabedoria contida no estilo francês. Aparentemente, é bom comer um pouco de queijo, manteiga, chocolate e carne vermelha; dietas raramente funcionam e para perder peso você deve se exercitar mais e comer menos. Fischler agora estuda o impacto que comer juntos tem sobre a saúde analisando mesas de buffet no Club Med.
Comer com os franceses realmente me afetou. Depois de alguns anos aqui, desisti da maioria dos meus hábitos seletivos. Eu ainda não comeria um pênis de cachorro, mas já experimentei ostras. Descobri que a melhor parte de seguir o fluxo em matéria de comida não são os benefícios para a saúde ou a cozinha, mas as conversas. Podemos finalmente falar sobre outra coisa.
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