O Paraguai é um estreito de terra sufocado por dois gigantes continentais. Tem umas terras vermelhas e produtivas, é bem verdade, mas insuficientes para impedir que o país tenha com os vizinhos uma relação de dependência desde sua mais desastrosa aventura expansionista. Devastado pelos exércitos de Brasil, Argentina e Uruguai há 140 anos, seus sobreviventes ainda tiveram de pegar em armas seis décadas depois para salvar o que restou de seu território, desta vez contra a Bolívia. Mas não está apenas na belicosidade a explicação para o fato de o primeiro país a se livrar do jugo espanhol ter se convertido no mais pobre entre os sul-americanos.
Restou ao longo da história do Paraguai a impressão de que qualquer sentimento ético ou humanitário tornava-se desprezível diante do colossal egocentrismo daqueles que no curso dos tempos foram tomando de assalto o poder e fazendo suas próprias leis e regras. A começar pelo seu libertador, José Gaspar García Rodríguez de Francia, que ao proclamar a independência, a 15 de maio de 1811, num arroubo narcisista se intitulou El Supremo. O modelo de mando foi se oxigenando a cada novo governo, até se esgotar com o ditador Alfredo Stroessner, deposto em 1989 por meio de um golpe de estado impetrado pelo seu co-sogro Andrés Rodríguez.
A novidade das eleições livres, em 1993, inaugurou a liberdade de imprensa e expôs a convalescença de um mal endêmico característico das nações que extirparam um câncer, mas nada puderam contra a metástase. Até então os sucedâneos do poder mantinham o status quo sob a carapuça da democracia que nunca passava de retórica. A política de pilhagem prosseguia mudando apenas os atores da nova atividade especulativa, amálgama que sedimentou a relação poder-capital, renovada e aprimorada sempre pelos novos atores políticos, sempre do Partido Colorado. Disso resultou uma excessiva concentração de riqueza, provocando uma lesão traumática nos estamentos do país.
Irmãs siamesas, a corrupção e a impunidade provocaram um revés na economia do país e criaram uma elite bilionária, primeiro representada por Francia, depois por Solano López e, mais recentemente, por Stroessner. Este último tinha como bens um carro e três casas quando alcançou o mais alto grau da estrutura militar, assumindo o poder por meio de um golpe de estado em 4 de maio de 1954. Ao ser destituído, em 1989, era o homem mais rico do país, com um patrimônio individual de US$ 1,6 bilhão. Ao todo, a fortuna da família Stroessner somava US$ 4 bilhões à época. Decerto não foi dinheiro bem havido.
Estancar a fraude institucionalizada e pôr a mão nos líderes do crime organizado que se estabeleciam no poder sempre pareceu missão sobre-humana para os poucos grupos de resistência moral. A luta sempre foi desigual, pois combatiam pessoas que acumulavam não só dinheiro, mas poder e influência nos diversos setores da vida pública, sempre orbitando em torno do Partido Colorado. O obstáculo maior para mudar esse estado de coisas estava na falência e na desmoralização de um sistema judicial corrupto e ineficiente.
No caso particular de Stroessner, que comandou o país por 35 anos, foram raros os negócios que escaparam da volatilidade, da alquimia que transformava tudo em moeda de troca. Hábeis na arte dos sofismas, os senhores do mando dominaram o país, roubaram o infeliz o quanto puderam e lhe impuseram a camisa-de-força de um regime totalitário disfarçado de boas intenções. Diante de tamanha diversidade de negócios ilícitos, o meio político tornou-se a forma mais eficiente de encurtar a distância entre uma posição remediada e uma situação abastada.
O crime organizado estatal continuava mesmo ao término de um governo. A diferença é que novas pessoas eram convidadas para o banquete. Quando não agia a máquina de opressão, agia a força do dinheiro. Metido no limbo da proscrição moral por longo período, o Paraguai ainda busca a saída do pântano em que fôra mergulhado. Coloca-se como aspirante a uma nação justa que pretende acabar com a corrupção institucionalizada, mas ainda há poucas provas conclusivas dessa intenção. Espoliado desde sempre, o povo vive em condições precárias, esgotado e com dificuldade para enxergar até mesmo suas qualidades mais óbvias.
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