A peça Sacrifício de Andrei, apresentada entre os dias 22 e 24 no teatro Novelas Curitibanas, é provavelmente a primeira montagem teatral em que os atores contracenam com seus pares do cinema personagens do filme O Sacrifício. A última obra do russo Andrei Tarkovski (1932-1986) é projetada em cinco lençóis dependurados no palco, enquanto o grupo carioca Studio Stanislavski encena o mesmo roteiro do filme. A estética do palco, que fica recheado de imagens do interior da Suécia da década de 80 e de rostos reais, bem iluminados, é magnífica. Em poucos segundos o espectador vê o enquadramento completo da imagem -- na maior parte do tempo, os atores usam suas roupas e corpos como suporte da projeção, que é quase completa, com poucas partes em fast forward.
Encenar o roteiro sem o filme estar presente no palco nem foi cogitado pela diretora Celina Sodré, que há 20 anos se extasia com o que considera a maior obra-prima escrita e dirigida por Tarkovski. "Não só pelo que ele fala, mas também pelo aspecto cinematográfico", diz. O grupo estreou a peça em novembro, no Rio de Janeiro.
A voz do artista homenageado pelo grupo nos 20 anos de sua morte não se restringe à de seus personagens. Ele próprio ganha o corpo de um ator e surge como narrador, não para contar a história, mas para dar sua visão da arte e da vida. O texto foi montado com base em entrevista que ele concedeu durante o making-of da obra.
O filme conta a história de uma família sueca que vive problemas possíveis de ocorrer na classe média de qualquer país. Um homem é desmoralizado por sua mulher, que o culpa por toda sua insatisfação. Um dos filhos se rebela e decide viajar para a Austrália. Nenhuma conversa dura mais de duas falas sem que alguém esteja gritando. As empregadas são oprimidas e parecem entender melhor do que qualquer um o que se passa na casa.
Diálogos diferentes acontecem entre Alexander e seu carteiro, que se revela filósofo e colecionador de histórias fantásticas. Com referências a Dostoiévski, Gandhi e Nietzsche, eles falam da relação com Deus, das realizações da vida, da felicidade. "Tudo isso já foi dito", reclama o protagonista. E, com seu pequeno filho, Alexander trava monólogos, já que o menino, apesar de bastante ativo, fez uma cirurgia na garganta e não pode falar. Calado, ele é o único personagem ausente no palco, presente apenas na projeção.
No aniversário do patriarca Alexander, a família se reúne e é abalada pela passagem de aeronaves que fazem a casa sacolejar, anunciando a deflagração de uma guerra nuclear em que todos eles podem morrer.
Apesar de sentenciar que "perdemos a capacidade de rezar", Alexander se ajoelha para implorar que Deus lhe tire o terrível medo de seu destino incerto e que salve sua família. A resposta vem, apesar de diferente do que qualquer coisa que se possa imaginar.
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