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A menina Samara, de O Chamado: personificação do horror nipônico | Divulgação
A menina Samara, de O Chamado: personificação do horror nipônico| Foto: Divulgação
  • Em O Iluminado, o menino Danny percebe o sobrenatural antes de todos

Uma das representações mais significativas da figura infantil no cinema é frequentemente verificada nos filmes de terror. O gênero, que comumente trabalha com personagens com pouca ou nenhuma profundidade – facilitando, dessa forma, a identificação com o espectador – usa principalmente a criança como catalisadora da trama. Seja por viverem em um mundo mais aberto à fantasia, seja por estarem próximas a um estado mais puro e sensível da natureza humana – e aqui o conceito de "Tabula Rasa", do iluminista John Locke, cai como uma luva –, as crianças geralmente são retratadas como as primeiras a perceber o sobrenatural, servindo a porta de entrada para o universo aterrorizante criado no filme.

Talvez o grande responsável por difundir essa figura de inocência que captura a presença do mal seja o escritor americano Stephen King. Dentre os diversos livros adaptados para o cinema ou para a tevê, uma de suas obras mais famosas é o filme O Iluminado (1980), estrelado por Jack Nicholson e dirigido por Stanley Kubrick. No filme, o iluminado é o menino Danny, que descobre ter o poder da telepatia e de enxergar o mundo dos mortos durante uma temporada num hotel fechado para o inverno.

É por meio das visões de Danny que o espectador conhece os fantasmas do lugar, e é ele também o responsável pelo desfecho da história. Dessa forma, a criança encontra-se com o mal por sua hipersensibilidade, mas se transforma após esse embate – um acontecimento pontual que marca o início da vida adulta. Não por acaso, esse tipo de passagem também foi explorada pelo escritor em It (1990) e Confie em Mim (1986).

A tendência desse tipo de abordagem ao terror do filme foi reafirmada na década de 1980 com a franquia Brinquedo Assassino, e no fim da década de 1990, com O Sexto Sentido (1999) e Os Outros (2001). Por meio dela, o público identifica-se com a figura infantil e com o medo que ela sente.

Perversão

Mesmo que a criança tenha o primeiro contato com o terror, não há nada que ateste sua imunidade às forças malignas. É então que o personagem infantil deixa de ser o defensor para se tornar a própria ameaça do filme. O exemplo na literatura adaptada para o cinema mais clara é A Outra Volta do Parafuso, do inglês Henry James, que deu origem ao filme Os Inocentes (1961). Narrado do ponto de vista de uma babá que é contratada para cuidar de duas crianças, o filme, sem nenhuma cena explícita, sugere que o terror resida justamente nas figuras infantis da casa. As mais famosas, porém, são O Exorcista (1973) e A Profecia (1976). Em ambos os filmes, o demônio possui ou assume a forma de uma criança, num significado claro de perversão da inocência.

Esse tipo de configuração, entretanto, é mais antiga do que o cinema possa sugerir. Os filmes japoneses de terror, em especial O Chamado (1998) e O Grito (2003), são embasados em lendas e figuras comumente consideradas assustadoras no país. A imagem de Sadako (Samara, no remake americano), a menina de pijama com longos cabelos negros a frente do rosto de O Chamado, por exemplo, é uma das mais potentes personificações do terror na cultura nipônica.

Não se sabe ao certo como a imagem da criança passou a figurar no chamado J-Horror – o terror japonês – mas sabe-se que até algumas décadas atrás, o medo e a desesperança em relação ao futuro eram representados pelas figuras de grandes e destruidores mutantes. Godzilla, Rodan e King Ghidorah são algumas das criaturas criadas por uma geração que temia as possíveis aberrações que um futuro nuclear poderia gerar. Esse mesmo medo em relação ao futuro chega agora personificado na imagem de espíritos vingativos de crianças. Seria uma preocupação com a nova geração, criada em meio a uma cultura doente, ou um peso na consciência pelo futuro que a geração X japonesa deixa para seus filhos? Fica a pergunta.

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