| Foto: Ricardo Humberto

Um homem de espírito cristão

Doutor em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo e pesquisador, Raul Antelo é uma referência dentro dos estudos de modernismo. A seguir, em entrevista concedida por e-mail, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina comenta, da genialidade à religião, vários temas ligados a Rimbaud, o poeta que influenciou os escritores modernistas do Brasil.

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Qual a importância do "suicida poético"?

Em Rimbaud, o homem ofusca o poeta. Esse embate é evidente no filme O Eclipse de uma Paixão (1995), de Agnieszka Holland. Mais preocupada em falar da relação homossexual e destrutiva de Rimbaud (Leonardo DiCaprio) com o poeta Paul Verlaine (David Thewlis), a cineasta polonesa acabou dando pouca atenção à poesia.

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As contradições de Rimbaud

No período que passou em Paris, em torno dos 17 anos, Rimbaud conseguiu algum respeito literário mas não deixou boas lembranças entre muitos dos intelectuais da época; mais por conta de sua excessiva juventude e atitude rebelde e impudente nas reuniões de que participou do que necessariamente por sua obra, pequena e praticamente desconhecida da maioria.

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Rimbaud (1854-1891) é o tipo de figura que a indústria cultural de hoje adoraria explorar. É até inexplicável que não o façam. Jovem e rebelde, escreveu toda a poesia pela qual é lembrado entre os 16 e os 19 anos.

Com 19 (uma criança para os padrões atuais, mas definitivamente um adulto na segunda metade do século 19), abandonou a literatura para virar mercador de armas na África e nunca mais escreveu outro verso. Nunca. Mais. Dizem que a vida era pouco para Rimbaud.

Há questão de semanas, o Brasil entrou para o grupo de países que podem ler, na língua pátria, tudo o que produziu o "poeta das sensações". Foi quando a Topbooks publicou Correspondência, terceiro e último volume das obras completas, com tradução de Ivo Barroso, que já havia vertido ao português a prosa poética e a poesia de Rimbaud.

Nesta semana, a Companhia das Letras publica Rimbaud – A Vida Dupla de um Rebelde, um ensaio biográfico de Edmund White. O livro é curioso porque o autor não tem pudores de se incluir na história e começa a narrativa lembrando como descobriu o poeta num internato no estado de Michigan, em 1956.

Jean Nicolas Arthur Rimbaud tem um magnetismo raro de se encontrar em escritores. Com uma personalidade explosiva e uma disposição incomum para aventuras – sexuais e literárias entre outras –, o poeta seria o rockstar oitocentista, o sujeito que, se vivesse no presente, estaria quebrando quartos de hotel e levando a vida como se o mundo fosse acabar num barranco.

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Seria talvez uma mistura de Mick Jagger (apesar da idade avançada) com J. D. Salinger (já morto, mas uma referência de artista recluso). O nonsense da comparação é revelador: não existem equivalentes para Rimbaud. Nenhum personagem atual consegue ombrear com o autor atordoa leitores com "O Barco Bêbado" e oferece epifanias com "Iluminações". No primeiro, o adjetivo "bêbado" aparece na tradução de Augusto de Campos. A versão de Ivo Barroso prefere "ébrio".

Radicalidade

Sobre o poema, Campos afirmou que é "Um texto-ícone que funde o visionário e o visualista, sobrepondo à precisão imagística o ‘desregramento de todos os sentidos’ preconizado pelo poeta". As aspas foram tiradas da introdução de Rimbaud Livre (Perspectiva), um livro raro que compila 11 poemas e se encontra somente em sebos.

O poeta Fabrício Corsaletti (Esquimó), que adora Rimbaud, se interessa pela radicalidade do artista. "Ele nunca dá um passo atrás nem faz concessões", diz. As atitudes do simbolista francês, com frequência, são mais exploradas do que seu legado literário.