Geriatra e amigo de João Gilberto há cerca de dez anos, o médico Jorge Jamili garante: não é uma mera gripe que está tirando o cantor baiano dos palcos, mas também não é que ele tenha uma doença grave, que esteja sendo mantida em sigilo. A pressão psicológica que a turnê comemorativa de seus 80 anos lhe impõe é a responsável por prostrá-lo na cama de casa. Ou seja: João queria fazer os shows, mas o próprio corpo o está impedindo. Conforme a data foi se aproximando, o quadro foi piorando.
"Eu nunca o vi desse jeito. Há um mecanismo psicossomático dessa pressão que faz com que ele fique debilitado, debilitado mesmo, mais magro. Em todo idoso, as vias aéreas superiores e as articulações são o que sentem primeiro. A coluna reclama. Não é um piti, é real. Ele não é um excêntrico, um louco. Tem problemas físicos, sente muita dor. Se pudesse, não estaria assim", disse ontem Jamili, fã do pai da bossa nova. "Não sei o quanto é físico e quanto é somatizado."
Sem poder dar muitos detalhes, para não expor a intimidade do paciente, o geriatra - que costuma atendê-lo em sua casa, onde, em tempos melhores, cantam mantras juntos -, contou que ele tem duas hérnias. É uma na cervical e outra na lombar, e ambas doem muito quando ele faz shows, por causa da posição do violão e do estresse - João, sabe-se, é um perfeccionista, e precisa se sentir em sua melhor forma para se apresentar.
Trata-se da síndrome do escrivão, explicou Jamili, que acomete os braços e provoca espasmos quando a pessoa repete o movimento que lhe causa dor. "São problemas pertinentes à idade, não é tuberculose, câncer. Ele apresenta um temperamento, que todos conhecemos, que não tolera bem a pressão. E não é um senhor 100% saudável, não é da geração saúde. Por exemplo: eu já falei 2.800 vezes para que mude a alimentação (Jamili é nutrólogo e praticante da medicina ortomolecular), mas João só faz o que quer, é teimoso, como todo senhor de 80 anos." O estado de saúde jamais permitiria que ele entrasse num avião para ir a São Paulo tampouco que pegasse um carro até o Municipal, acrescentou.
Nos últimos shows no Japão, em 2006, contou, foi preciso muita conversa para que se convencesse a viajar. "Teve o mesmo problema. Há uma certa ilusão de que há relação entre o estado atual e a questão dos ingressos (parte encalhou por causa dos altos preços - em São Paulo, no Via Funchal, vão de R$ 500 a R$ 1 mil), mas não tem absolutamente nada a ver. No Japão, estava tudo lotado, o baque financeiro acabaria com sua vida, e ainda assim ele apresentou essa resistência. A cabeça dele não gira em torno de dinheiro."