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As origens do gênero musical tipicamente português, o fado, são um tanto obscuras. Segundo alguns historiadores, estão remotamente ligadas aos mouros que permaneceram em Lisboa depois da reconquista cristã da cidade. Já outros, mais plausíveis, creem que o gênero está ligado às favelas da capital lusitana e seus imigrantes vindos das colônias, como o Brasil e os países africanos, e dos portugueses que migraram do campo para a cidade.
No entanto, o documentário musical Fados (assista ao trailer e veja as fotos), de Carlos Saura, não está muito interessado nas controvérsias históricas. O que o diretor espanhol busca é um diálogo entre passado e presente e mostrar como essa música sobrevive mais de dois séculos depois de seu nascimento.
Em "Fados", Saura encerra sua trilogia sobre "as três formas de expressão musical urbana", nas palavras do diretor, que inclui "Flamenco" (1995) e "Tango" (1998).
Combinando músicas, dança e direção de arte apurada, assinada pelo próprio cineasta, o documentário é uma colagem sensível de apresentações musicais e coreografias, iluminadas por uma luz, às vezes difusa, outras forte, e imagens que remetem a um Portugal antigo ou contemporâneo, projetadas em grandes telas num galpão onde foram feitas as filmagens.
A busca de Saura pela contemporaneidade do gênero resulta em momentos peculiares no filme. O cantor brasileiro Toni Garrido, vestido com roupas contemporâneas, é cortejado por um grupo de donzelas vestidas com roupas da época colonial, enquanto canta o seu lamento amoroso.
Já o passional "Foi na Travessa da Palha" recebe uma coreografia em que duas bailarinas disputam e se debatem pelo "amante canalha". Uma homenagem ao famoso fadista Alfredo Marceneiro (1891-1982) é feita em forma de hip-hop.
A ponte entre o passado e o presente é feita também por um dos fadistas mais conceituados da atualidade, Camané, responsável por "Quadras" e "Sopra Demais o Vento", uma canção que remete à nostalgia da vida bucólica. O mesmo tema está em "Um Homem na Cidade", na voz de Carlos do Carmo. Ele diz: "Eu sou um homem da cidade/ que amanhã cedo acorda e canta/ e, por amar a liberdade,/ com a cidade se levanta."
O fado é, em sua essência, a expressão da cultura nacional portuguesa e tem sobrevivido aos mais diversos períodos da história do país. Essa intersecção entre fado e momento histórico resulta numa das cenas mais bonitas do filme, protagonizada por Chico Buarque de Holanda, que canta uma versão de seu "Fado Tropical", escrita em parceria com Ruy Guerra, cuja letra diz, referindo-se ao Brasil: "Ai, essa terra vai cumprir seu ideal/ainda vai tornar-se um imenso Portugal", enquanto ao fundo, nas telas, são projetadas imagens do documentário português "As Armas e o Povo" (1975), sobre a Revolução dos Cravos, de 1974.
Já Caetano Veloso força desnecessariamente um sotaque lusitano para cantar "Estranha Forma de Vida", no qual é acompanhado por um casal de bailarinos.
O grande clímax do documentário acontece numa casa de fados, uma espécie de taverna, onde jovens fadistas cantam suas músicas. Com um ar de nostalgia e melancolia, é lá que a música encontra o lugar ideal para sua apresentação. E Saura consegue situar no século 21 um gênero que sobrevive às transformações de Portugal. É um tipo de música que, como a sua terra natal, firma-se no presente, sem nunca abandonar as raízes do passado. Ou como canta a grande fadista Mariza: "Trago um fado no meu canto/ na minh'alma vem guardado/ vem por dentro do meu espanto/ a procura do meu fado".
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