Um seriado finalizado não é um seriado morto. Ainda que essa afirmação não seja muito intuitiva – e, por outro lado, também não conclua grande coisa –, sabe-se hoje que o poder das reprises é valiosíssimo para a subsistência de uma série televisiva.
Muito embora o alvoroço em torno de um programa naturalmente esfrie ao longo da inexistência de atrações inéditas (novos episódios; reuniões; filmes; spinoffs, etc.), há quem não largue o osso quando a questão é se entupir de dinheiro.
Vejamos Seinfeld, por exemplo.
Criado por Larry David e Jerry Seinfeld, esse Esperando Godot das telinhas, no qual nada visível acontece e ninguém amadurece, rendeu nove temporadas de excelência humorística entre 1989 e 1998.
Ao rejeitar ofertas de cinco milhões de dólares por episódio, Jerry encerrou sua cria antes que qualquer desgaste reduzisse o enorme impacto gerado pelos personagens Elaine, George, Kramer e uma versão ficcional dele mesmo.
Desde 1998, portanto, não há Seinfeld. E desde 1998, no entanto, Jerry Seinfeld lucrou mais de três bilhões, com “b”, de dólares por meio de syndication, isto é, o processo pelo qual um programa é renegociado para diferentes veículos por um tempo determinado.
Cada um dos 180 episódios rendeu 17 milhões de dólares por conta própria, segundo o Independent — isso que os números são de 2013.
Como Beatles e Rolling Stones, ou milho e ervilha, falar de Seinfeld puxa quase que automaticamente sua nêmesis, a emblemática e politicamente correta Friends, de David Crane e Marta Kauffman.
Sucesso ainda maior de popularidade, a série de seis jovens nova-iorquinos agindo como seis jovens nova-iorquinos marcou época nas dez temporadas em que se fez presente, entre 1994 e 2004. Uma década se passou, e o grupo de Chandler, Monica, Ross, Rachel, Phoebe e Joey se mantém como uma referência na ponta da língua ao redor do planeta (no Brasil, principalmente entre usuários de tevê a cabo).
No início de 2015, todos os 236 episódios foram disponibilizados no Netflix americano, que pagou mais de 500 mil dólares em cada um deles, segundo a Variety. O contrato, superior a cem milhões de dólares, é válido por apenas quatro anos. Se o valor financeiro de Seinfeld e Friends segue incontestável, podemos inferir que nenhuma emissora (ou serviço de streaming, como o Netflix) pagaria uma bagatela para transmiti-los por caridade. Investir nos dois seriados ainda rende um belo lucro, e a partir disso é possível ter ideia de que ambos se mantêm influentes na cultura popular moderna. Uma busca rápida no Tumblr ou no Twitter, por exemplo, deixará claro como cenas, citações e imagens de bastidores são repassadas a rodo entre pessoas sequer nascidas durante boa parte da década de 90. Na verdade, os programas parecem assustadoramente vivos para dois produtos encerrados há pelo menos dez anos, o que se torna ainda mais surpreendente se levarmos em conta o tempo investido ao acompanhar um seriado, em contraste com um longa-metragem.
Podemos pensar em duas principais respostas sobre por que, afinal, as séries continuam tão populares. A primeira delas, seu apelo quase irrestrito. Friends atinge um público imenso pela amplitude do pop impecável — como um Michael Jackson sem problemas pessoais, o seriado dialoga com seres humanos absolutamente discrepantes entre si.
Quanto a Seinfeld, apesar de ser mais ácido, ninguém alcança mais de 30 milhões de espectadores por episódio sem ser minimamente abrangente. “[Jerry] não xinga, não expressa opiniões políticas (...), seus programas não envelhecem”, aponta Leo Benedictus, do Guardian. O olhar brilhante de Seinfeld para as pequenas incongruências do cotidiano ainda desperta arrobas de stand-ups genéricos.
O segundo fator da questão: ambas as séries apresentam personagens extremamente ansiosos, que debatem detalhes mínimos com vitalidade dramática; a vida amorosa de cada um transformada em um xadrez dialético. Qualquer decisão mínima passa pelo escrutínio dos amigos, todos eles cheios de traços de identidade representados por pequenos ícones. Em Seinfeld, como em Friends, testemunhamos pequenas neuras individuais e coletivas, rindo delas ou com elas.
Passadas décadas desde que a dupla surgiu, a essa altura da pós-pós-modernidade – perdão! –, tem-se a sensação de que ansiedade, neuras e o escrutínio público ganharam um espaço inversamente proporcional àquele perdido pelas risadas gravadas da sitcom tradicional. Os dois seriados tocam gerações posteriores às suas por causa da leitura precisa, até adiantada, da sociedade metropolitana que os consome – seja na televisão ou por meio da internet.
Em uma reclamação de George Costanza ou em um lamento autodepreciativo de Chandler Bing, ainda vemos nossos próprios vícios – ou vemos ainda mais nossos próprios vícios; o blá-blá-blá alheio do eu traduzido como a piada que deveria ser. Graças a esse e a tantos outros fatores, os respectivos prazos de validade seguem indeterminados.
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