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Grandes vazamentos de informações secretas de governos ou corporações podem induzir à criação de uma série de leis com o objetivo de restringir a liberdade que se tem hoje na Internet. Na avaliação do diretor do Centro Knight de Jornalismo nas Américas, Rosental Calmon Alves, da Universidade do Texas, esse é o maior risco que se corre no mo­­mento, com os vazamentos dos 250 mil telegramas dos Estados Unidos divulgados pelo WikiLeaks.

"Creio que estamos chegando a uma situação limite e vai haver uma reação para a criação dessas novas leis, mais restritivas. Esse e o maior perigo neste momento", afirma Rosental Alves. Em entrevista concedida por e-mail, ele faz uma análise do caso WikiLeaks e do papel desempenhado pelos meios de comunicação, na divulgação de dados obtidos a partir do vazamento.

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O Wikileaks recebeu informações confidenciais referente a telegramas da Diplomacia dos Estados Unidos e as divulgou. Agências governamentais dos Estados Unidos avaliam a possibilidade de processar o fundador de Wikileaks, Julian Assange, com base na Lei de Espionagem. Embora o trabalho no WIkileaks não seja exatamente fazer jornalismo – mesmo que por vezes acabe podendo assim ser categorizado - Como o senhor analisa o fato de se tentar enquadrar Assange numa legislação de espionagem? Quais crimes ele cometeu (se é que cometeu)?

O WikiLeaks e um site para atrair informantes, que garante a manutenção do anonimato deles. Há outros sites parecidos, inclusive aqui nos Estados Unidos, mas nenhum tem uma estrutura tecnológica tão aprimorada para garantir o anonimato de quem passa a informação. Receber documentos de informantes anônimos sobre temas de interesse público não e crime. Mas com o volume da documentação que o WikiLeaks tem recebido, estamos entrando em mares nunca antes navegados.

De forma mais conceitual, gostaria que o senhor avaliasse em que circunstâncias, jornalistas em posse de informações confidenciais de um governo, nos Estados Unidos, podem publicá-las?

A obrigação dos jornalistas é com o público e com a busca da verdade. Desde o caso dos papéis do Pentágono, há uma jurisprudência nos Estados Unidos sobre o direito de a imprensa publicar documentos confidenciais que sejam do interesse publico. Para isto está o jornalismo investigativo, aquele que busca verdades que outros (funcionários públicos ou não) tentam ocultar.

A partir da publicação de informações sigilosas pelo WikiLeaks, diversos veículos de renome internacional passaram a produzir reportagens a esse respeito. Quais são os parâmetros ou os valores que devem orientar a decisão de publicar documentos secretos? Ou melhor, quando documentos secretos deixam de ter legitimidade para continuarem a ser sigilosos?

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Não foi bem assim. Há um mito correndo por ai de que o WikiLeaks divulgou sem pensar todos esses documentos. Na verdade, como não tinha a capacidade de processá-los devidamente ou porque queriam tomar carona na credibilidade da imprensa, o WikiLeaks entregou primeiro os documentos a empresas jornalísticas conceituadas, fez um acerto, deu um prazo para que os jornalistas fizessem seu trabalho de checar os documentos, interpretá-los e consultar fontes, como o próprio governo americano. Só depois que os jornais começaram a publicar o material e até aceitando as omissões que os jornalistas, por motivos éticos ou legais decidiram fazer, é que o WikiLeaks divulgou, seletivamente, documentos. Esses processos que os jornalistas exercem, dentro da deontologia [conjunto de princípios e regras] de sua profissão, consiste justamente em determinar o que é do interesse publico, quais são os limites que se deve respeitar. Muita coisa, como nomes de informantes do governo norte-americano, e outros dados foram eliminados pelos jornalistas.

O modelo de atuação do Wikileaks parece ter funcionado até o momento, muito bem em conjunto com os meios tradicionais de comunicação, como bem apontou o Nieman Journalism Web, em 3 de dezembro (http://www.niemanlab.org/2010/12/why-wikileaks-latest-document-dump-makes-everyone-in-journalism-and-the-public-a-winner/). Qual a sua opinião a respeito disso?

Os jornalistas têm feito seu papel muito bem, com cuidado e dentro de certos padrões éticos e de bom senso. Acho que foi muito astuto entregar os documentos a jornalistas. Mesmo nesta nova sociedade fundada em bases de dados em que vivemos, onde volumes enormes de informação estão disponíveis ou podem ser disponibilizados por qualquer um, o papel do jornalismo ainda é, e eu acredito que sempre será, muito importante. O jornalismo é a instância verificadora, baseada em técnica e em princípios éticos.

Vivemos um mundo conectado por redes de computadores. A partir de agora, é possível que mesmo nações democráticas venham querer controlar o conteúdo distribuído na Internet? Isso fere a liberdade de expressão e de opinião?

Este e o maior perigo neste momento: o exagero desses megavazamentos pode gerar uma série de leis e regulamentos que vão restringir a liberdade com que se vive na Internet hoje em dia. A situação ainda e muito confusa. Estamos todos tentando entender. O que estamos vendo, porém, é claramente diferente do vazamento tradicional de informação pontual, especifica sobre algum problema, alguma irregularidade cometida dentro do governo. Não estamos falando do típico informante da imprensa que vê algo ilegal ou imoral dentro do governo e vaza esta informação, preocupado com o bem público, com a depuração do governo. Aqui se esta diante da exposição das entranhas do governo em questões altamente sensíveis, mesmo quando não ha nenhuma irregularidade. Há quem argumente que todas as ações dos governos democráticos têm de ser abertas, transparentes, visíveis para nós, pois eles, os funcionários públicos, trabalham para nós. Mas creio que estamos chegando a uma situação limite e vai haver uma reação para a criação dessas novas leis, mais restritivas.

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Qual é a lição do caso WIkileaks? Quais devem ser os desdobramentos desse episódio no que refere à vazamentos, jornalismo e liberdade de expressão?

A lição principal é entender que estamos em meio a uma dessas grandes revoluções que marcaram a história da humanidade, como a consolidação da palavra escrita, a criação do tipo móvel por Gutenberg e a Revolução Industrial. Estamos diante da Revolução Digital, que vai muito mais alem da internet, que tem implicações enormes na ordem política, econômica e social do mundo. O jornalismo está sendo profundamente afetado por essa revolução e este episódio é mais um exemplo de situação nova, que cria grandes desafios para os jornalistas. E acho que estamos passando bem no teste, ao usar critérios profissionais e éticos nas reportagens sobre os documentos expostos através do WikiLeaks.