A economia brasileira surpreendeu e registrou no trimestre passado o maior crescimento em mais de três anos, puxada pelos investimentos e pelo desempenho da indústria e da agropecuária, mas o consumo das famílias ainda patina. Apesar do resultado melhor do que o esperado entre abril e junho, a atividade econômica deve perder fôlego no terceiro trimestre, abalada sobretudo pela confiança, avaliam analistas.
A mediana de previsões de 38 analistas consultados pela Reuters apontava para o período expansão de 0,9% do PIB, com as projeções variando de 0,6% a 1,5%. Sobre um ano antes, a mediana de 35 previsões indicava crescimento de 2,5%, numa faixa de 1,6% a 3,8%.
Segundo o IBGE, a indústria cresceu 2,0 por cento no segundo trimestre sobre o período imediatamente anterior, enquanto a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), uma medida de investimento, subiu 3,6 por cento. O setor agropecuário se expandiu em 3,9 por cento. O consumo das famílias, porém, cresceu apenas 0,3 por cento, enquanto o consumo do governo subiu 0,5 por cento.
Apesar da recuperação no trimestre passado, a atividade já está perdendo fôlego, afetada sobretudo pela falta de confiança generalizada na economia, abalada ainda mais pelas manifestações populares em junho. "O número (do trimestre passado) surpreendeu. A agricultura teve crescimento bastante forte e houve mais formação bruta de capital fixo... Muito provavelmente o terceiro trimestre vai ser mais fraco, não só pelo número forte do segundo trimestre, mas também pelos indicadores", afirmou o economista sênior do Espirito Santo Investment Bank, Flavio Serrano.
No ano, o economista prevê crescimento de 2,3%, mas no terceiro trimestre ele deve ficar "perto de zero". Para Serrano, "o quarto é a grande dúvida".
Indicadores de confiança das empresas e consumidores caíram nos últimos meses, especialmente após os protestos. A geração de postos de trabalho formais recuou em julho ao menor nível para o mês em uma década, enquanto o dólar chegou a disparar quase 20 por cento em apenas quatro meses, o que poderia afetar investimentos e alimentar a inflação já alta.
O próprio governo já sabe que a economia deve perder fôlego na segunda metade do ano, e que o terceiro trimestre pode ter desempenho pior do que o período anterior, o oposto da avaliação que prevalecia há poucos meses.
O cenário de baixo crescimento vem junto com a inflação ainda elevada no país, que já levou o Banco Central a elevar a Selic em 1,75 ponto percentual, para 9,0 por cento ao ano, com mais aperto monetário esperado.
A desaceleração da economia também coincide com a instabilidade nos mercados em meio aos planos do Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, de reduzir o estímulo à economia norte-americana.
Apesar de ser considerada uma boa notícia, os participantes do evento disseram que se trata de um retrato do passado porque os indicadores de produção e confiança na economia, mais o cenário internacional, se deterioraram em julho e em agosto -meses cuja produção será medida no PIB do terceiro trimestre. "Veio [o PIB] mais forte do que se esperava. Mas é um pouco como olhar para o retrovisor", disse Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá investimentos. "Estamos olhando para o retrovisor", disse o economista Persio Arida, sócio do banco BTG Pactual e um dos formuladores do Plano Real.
Para a economista Monica de Bolle, da consultoria Galanto, o resultado surpreendeu positivamente, mas representa "um espelho do passado". "Em alguns casos, o passado traz informações importantes sobre o que vem pela frente. Esse não é o caso do Brasil. A gente teve no início do segundo semestre foi uma descontinuidade não só na economia brasileira como no quadro político e social do país", disse.
Bolle disse acreditar que o PIB do terceiro trimestre fique perto da estabilidade em relação ao período anterior dadas as dificuldades enfrentadas. "No meu melhor chute, diria que está paradão. Não me parece que está indo para trás nem para a frente. A cara é que está tudo parado."
Para Arida, a economia brasileira está aquecida e cresce dentro de sua capacidade. Ele considera o chamado PIB potencial brasileiro, conceito de quanto o país pode crescer sem gerar inflação, em torno de 2%, que é a previsão da maioria dos economistas para este ano."Para crescer mais do que isso, teríamos de ter ganho de produtividade. O ideal é que houvesse uma redução do tamanho do Estado e uma política de adequação fiscal", disse.
Para o economista Alexandre Schwartsman, o governo passa por uma crise de credibilidade na condução da política econômica. Ele acha que, para recuperar essa credibilidade, o governo Dilma deveria adotar uma política austera como fizera o então presidente Lula em 2003 ao elevar a meta de superavit primário e propor uma reforma da Previdência do setor público, mexendo com os interesses de um segmento importante da militância do PT. "Tem que ser um ajuste custoso que mexa com o capital político do governo. Precisa dar um sinal crível das intenções do governo", afirmou.