“O mercado não se tranquiliza apenas com palavras, mas com ações.” Foi o que disse o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na última quinta-feira (10), um dia depois de a Standard & Poor’s retirar o grau de investimento do país. Uma constatação óbvia, mas que parece não ter ecoado nos corredores palacianos.
A reação do governo ao rebaixamento da nota de crédito veio na forma de promessas renovadas – a principal é a de um superávit primário do setor público equivalente a 0,7% do PIB em 2016, em contraste com o déficit primário de 0,34% que consta da proposta de Orçamento – e nenhuma atitude concreta.
O próprio Levy não ofereceu mais que palavras: voltou a defender cortes de despesas e elevação de impostos para evitar que o setor público complete, em 2016, três anos seguidos de déficit primário. Ele prometeu um pacote de medidas até o fim do mês.
Enquanto o governo não age, o corte do rating e a contração da atividade econômica vão tornando mais difícil resgatar alguma credibilidade do mercado e restabelecer a confiança de empresários e consumidores – que está nos níveis mais baixos desde que as pesquisas começaram a ser feitas, segundo a Fundação Getulio Vargas. Sem confiança, ninguém olha muito adiante: o empreendedor engaveta seus planos, o consumidor evita compromissos de longo prazo. E a economia vai afundando.
Aparentemente, o ministro quis sinalizar que desta vez o governo prepara um plano “de verdade” e por isso preferia não anunciar nada de improviso. Mas não passou despercebida a admissão implícita de que o governo Dilma chegou ao nono mês do segundo mandato sem ter uma “estratégia fiscal” minimamente articulada. Um plano pós-ajuste, então, nunca foi sequer mencionado.
Também falta coesão. São evidentes as diferenças entre Levy, pró-ajuste, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, responsável pelo Orçamento deficitário que precipitou a perda do selo de bom pagador. A presidente, embora defenda em público o ministro da Fazenda, é mais alinhada a Barbosa, um dos artífices da “nova matriz econômica” que, para muitos economistas, levou as contas públicas à ruína.
Situação dramática
O comportamento hesitante das autoridades após o rebaixamento deu a impressão de que o governo não tem mais cartas na manga – e que, diante do descrédito geral, desistiu até de blefar. E a situação, de fato, é das mais dramáticas, ainda mais levando em conta que boa parte do que o governo precisa fazer depende de aprovação do Congresso, onde a base aliada não se mostra disposta a colaborar.
“O déficit do setor público está chegando a 9% do PIB. É um nível que desequilibra totalmente a economia. Não há como pensar em destinar mais dinheiro público para estimular a demanda ou o investimento”, diz Lucas Dezordi, coordenador do curso de Economia da Universidade Positivo (UP). “A questão fiscal tem de ser prioritária no curto e médio prazo. Mas não vai ajudar tão cedo a recuperar a confiança dos empresários e consumidores. Esse resgate seria uma etapa posterior.”
Para Pedro Jucá Maciel, pós-doutor em Economia e assessor de assuntos econômicos do Senado, a confiança do público está muito ligada ao que ocorre na economia “real”, que, na avaliação dele, não vai reagir antes do rearranjo das contas públicas. “É difícil reverter expectativas com o desemprego crescendo e a economia em recessão”, explica. “Se o governo conseguir fazer um ajuste fiscal, em um ano ou dois o Banco Central poderá baixar os juros e a economia, então, poderá se recuperar, muito gradualmente.”
Não restaram muitas cartas para o governo, portanto – no curto prazo. Mas, se começar logo, ele pode fazer muito para permitir que a economia melhore no futuro. Confira nesta página algumas opções.
UM PLANO
O governo precisa parar de lançar balões de ensaio e formular um plano de ação com objetivos críveis para a correção do rumo de suas finanças. “O que o mercado deseja é algo concreto. Um plano de ação. Ele não precisa que as contas sejam resolvidas neste ano ou no próximo, mas que haja evidências de que a dívida pública voltará a ter um padrão de sustentabilidade”, diz o economista Pedro Jucá Maciel. Em julho, a dívida bruta do setor público encostou em 65% do PIB, e caminha para chegar à casa dos 70% em 2016. O governo diz ainda perseguir a meta de superávit primário de 0,7% do PIB em 2016, algo que dificilmente será atingido sem mais impostos. Uma opção ruim, segundo Maciel: “Aumentar a tributação eleva a inflação, o que poderia forçar o BC a subir os juros, jogando por água abaixo toda economia de despesas.”
MENOS GESSO
Estabelecer idade mínima para a Previdência; igualar as exigências de acesso à aposentadoria para homens e mulheres; alterar as regras que corrigem os valores dos benefícios sociais; reduzir programas sociais de alto custo e baixa eficiência ; desobrigar o setor público de vincular parte da receita às áreas de saúde e educação; alterar a política de pessoal no setor público. São medidas impopulares, difíceis de aprovar no Congresso e que terão impacto limitado sobre as contas públicas nos primeiros anos. Mas são consideradas imprescindíveis se o objetivo for “desengessar” o Orçamento.
REFORMAS “MICRO”
Se fazer grandes reformas é difícil, o governo poderia começar pelas mudanças microeconômicas, capazes de melhorar a produtividade. “O governo pode trabalhar por uma simplificação tributária. Acabar com a guerra fiscal entre os estados. Minimizar nosso regime cartorial, reduzindo a burocracia para abertura e fechamento de empresas, de forma a estimular a inovação das pequenas e médias”, enumera Lucas Dezordi, da UP. “Outra coisa é criar condições para o surgimento de bancos de investimento privados para aliviar o peso sobre o BNDES.”
CONCESSÕES
Fora o impulso que a taxa de câmbio pode dar às exportações, para muitos economistas o único sinal positivo que se pode esperar da economia nos próximos dois anos está nos investimentos em infraestrutura. O governo pode ampliar e aprimorar seu programa de concessões, aproveitando as regras que funcionaram bem e descartando as demais. “A recuperação da parceria público-privada, num sentido amplo, nos investimentos em infraestrutura é uma fonte potencial para ajudar a economia a sair da situação de baixa”, diz o diretor-executivo para o Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), Otaviano Canuto.
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