Após mais de uma década de expansão da “nova classe C”, o Brasil pode estar assistindo ao advento da “nova classe D”. O rápido avanço do desemprego está empurrando milhões de famílias – entre elas, muitas das que ascenderam à classe média na última década e meia – para faixas mais baixas de renda.
O fenômeno já provoca uma sensível mudança nos hábitos de consumo, evidente na forte queda das vendas do comércio e da contratação de serviços. Em paralelo, a desigualdade cresceu pela primeira vez desde o início do século.
GRÁFICO: Veja como a queda no emprego e na renda afetam o comércio e os serviços
As estimativas sobre o encolhimento da classe média variam, uma vez que cada instituição adota um critério próprio na hora de definir quem está em cada estrato social. A consultoria Tendências, por exemplo, projeta que entre 2015 e o fim de 2017 cerca de 3,1 milhões de famílias da classe C – com renda mensal entre R$ 1.958 e R$ 4.720 – terão regredido às classes D e E. O número é pouco menor que o das famílias que fizeram movimento oposto entre 2006 e 2012, quando cerca de 3,3 milhões subiram à faixa intermediária, conforme o mesmo estudo.
UM PAÍS MAIS DESIGUAL
Estimativa do economista Marcelo Neri indica que em 2015 a desigualdade no Brasil aumentou pela primeira vez desde o início do século. O índice de Gini havia recuado de 0,596 em 2001 para 0,515 em 2014 (quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade). No fim do ano passado, no entanto, o índice subiu para 0,523, calcula Neri.
O Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, que situa na classe média quem tem renda familiar entre R$ 1.646 e R$ 6.585, calcula que 6,3 milhões de pessoas que estavam nessa faixa – ou mesmo acima dela – desceram à base da pirâmide entre novembro de 2014 e novembro de 2015. Assim, a população inserida nas classes A, B e C, que atingiu o pico de quase 130 milhões de pessoas no fim de 2014, recuou para pouco mais de 123 milhões no fim do ano passado. Em termos relativos, esse grupo recuou de 68,5% da população total para 65% em apenas 12 meses.
Para a economista Ana Maria Bonomi Barufi, responsável pelo estudo, essa queda tem de ser colocada em perspectiva, uma vez que as três faixas mais altas haviam absorvido mais de 50 milhões de pessoas entre 2004 e 2014. Ela acredita que o movimento de retorno às classes D e E é temporário, provocado principalmente pelo mau momento do mercado de trabalho, e será revertido quando as empresas voltarem a contratar.
O problema é que a situação tende a piorar antes de começar a melhorar. O Bradesco prevê que a taxa de desemprego calculada pela Pnad Contínua, do IBGE, que saltou de 6,5% no fim de 2014 para 9,5% em janeiro passado, chegará a 11,8% na média de 2016. “As nossas projeções sinalizam um início de retomada do mercado de trabalho apenas no final de 2017”, diz Ana Maria.
Ao mesmo tempo em que o número de ocupados está diminuindo, a inflação corrói os salários de quem se mantém no emprego. Com isso, a soma dos rendimentos de todos os trabalhadores brasileiros caiu, neste início de ano, ao nível mais baixo desde meados de 2014.
A consequência aparece nos números do comércio e dos serviços. Segundo o IBGE, os dois setores recuaram 9,3% e 3,7%, respectivamente, no período de 12 meses até janeiro. A retração tem levado empresários desses ramos a demitir funcionários, o que vai realimentando a recessão – até 2014, os cortes de pessoal estavam mais restritos à indústria e à construção civil.
Iogurte grego sai, internet fica
A falta de dinheiro obriga o brasileiro a rever opções de consumo. Pesquisas mostram que ele está frequentando menos o comércio, e gastando menos em cada visita aos pontos de venda. Despesas com lazer foram cortadas, bem como almoços ou jantares fora de casa.
“O que se pode esperar é que as famílias tentem cortar o consumo de bens supérfluos e substituam produtos mais caros por alternativas mais baratas”, diz a economista Ana Maria Bonomi Barufi, do Bradesco. “Mesmo as famílias de classe mais alta passam a adotar um comportamento mais conservador, procurando poupar mais para enfrentar eventuais adversidades no futuro.”
Pesquisas da Kantar Wordpanel revelam algumas dessas trocas. Ainda no fim de 2015, o iogurte grego deu lugar a iogurtes líquidos. Nesta Páscoa, a vítima foi o ovo de chocolate: menos da metade dos integrantes da classe C pretendia comprar o produto, e cerca de 20% optariam por outros formatos de chocolate.
Novo padrão
Nem todas as escolhas são óbvias, diz Maurício de Almeida Prado, sócio-diretor do instituto de pesquisas Plano CDE. “A classe C pode ter trocado carne de boi por frango, mas evita cancelar a internet ou a tevê a cabo. Esses serviços ganharam papel relevante na vida das famílias que não têm tanto acesso a opções culturais e de lazer quanto as classes A e B”, diz Prado.
Segundo ele, muitos dos gastos que a classe C teve de cortar serão retomados assim que ela recuperar a renda. “Quem experimentou ensino particular e plano de saúde vai querer voltar a tê-los assim que possível. Viagens e alimentação fora de casa, também”, diz.
Para Prado, a ascensão da nova classe média não tem a ver só com aumento de renda, mas também com mais acesso a mobilidade, tecnologia e educação. “Isso significa mais conhecimento e poder de decisão. E as mudanças de comportamento não voltam atrás.”
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