O Brasil já soma uma dívida com organismos internacionais de mais de R$ 3,2 bilhões, um volume inédito, que coloca em risco a participação do país na tomada de decisões. No orçamento deste ano, porém, a previsão é de que haja apenas US$ 83,7 milhões para esses pagamentos e, juntando valores ainda de 2014 e 2015, o total autorizado a ser usado pelo governo para quitar a dívida é de apenas R$ 250 milhões, menos de 10% do valor do rombo.
Os dados fazem parte das contas do governo e, se parte delas não forem quitadas nos próximos meses, o governo começará a perder o direito de voto e pode até mesmo ser substituído como o país que assume o primeiro discurso na Assembleia Geral da ONU. Essa posição é mantida desde 1945.
Os débitos são com cerca de 120 entidades ou iniciativas internacionais, incluindo ONU, OMS, organizações científicas, tropas de paz, tribunais e organismos regionais. O número da dívida equivale, por exemplo, a todo o orçamento do Itamaraty para seu custeio anual, incluindo salários, as residências de diplomatas e custos de embaixadas e consulados pelo mundo, além de atividades de promoção cultural e comercial.
Uma das maiores dívidas é com as Organização das Nações Unidas, avaliada em R$ 1,3 bilhão, incluindo as contribuições do Brasil para as missões de paz. O déficit não parou de crescer desde o final de 2014. Naquele momento, era de US$ 190 milhões. No dia 4 de agosto de 2015, o buraco já chegava a US$ 285 milhões.
Em agosto do ano passado, o Ministério do Planejamento indicou que pretendia “regularizar o mais rapidamente possível o pagamento do valor devido” e, em reuniões em Nova York, a diplomacia nacional chegou a indicar aos responsáveis pela contabilidade da ONU que o governo tinha como prioridade quitar as dívidas, como demonstração de seu compromisso com o multilateralismo. Desde 2014, porém, apenas alguns poucos depósitos foram feitos.
Hoje, o Brasil soma a segunda maior dívida de um país com a entidade, superado apenas pelos US$ 2,1 bilhões de dívidas do governo americano com a ONU. Os EUA, porém, pagam dez vezes mais que o Brasil ao orçamento da entidade e sua decisão de segurar recursos tem objetivos políticos.
Na Organização Mundial da Saúde, a dívida é de R$ 50 milhões para 2016, justamente no momento em que o Brasil precisa da ajuda do organismo para o combate ao vírus da zika. Na FAO, o valor a ser pago no ano é de R$ 40 milhões. Mas, pelo fato de o organismo ser comandado por um brasileiro e ex-ministro do governo Lula, José Graziano, a previsão no orçamento é de recursos avaliados em R$ 30 milhões para serem enviados à entidade em Roma.
Orçamento
Na grande maioria dos casos, porém, não existe sequer uma inscrição específica no Orçamento para permitir o pagamento. Na Lei Orçamentária Anual para 2016, o governo prevê um total de apenas R$ 83,7 milhões para arcar com essas despesas de política externa. Junto com o dinheiro ainda de 2015, o valor total que o Ministério do Planejamento dispõe é de R$ 250,4 milhões.
“Atualmente, o total da dívida com os organismos internacionais, até 2015, era de aproximadamente R$ 3,2 bilhões, e o valor que temos autorizado para pagamento é de R$ 121,4 milhões (restos a pagar 2014), R$ 45,3 milhões (restos a pagar 2015) e LOA 2016, no valor de R$ 83,7 milhões”, confirmou ao jornal O Estado de S. Paulo o Ministério do Planejamento, em nota.
Comissão
Em fevereiro, o governo criou a Comissão Interministerial de Participação em Organismos Internacionais (Cipoi), com o objetivo de estudar uma forma de manter a participação do Brasil nas entidades, pagar o que puder, renegociar dívidas e montar um plano para, gradualmente, sanar o rombo. Mas, por enquanto, o grupo não tem tomado medidas concretas.
Em nota, o Ministério do Planejamento garante que já foram pagos R$ 192,8 milhões.
“A Comissão Interministerial de Participação em Organismos Internacionais (Cipoi) tem inventariado as dívidas e participações do governo brasileiro junto aos organismos internacionais, com o objetivo de tomar as providências cabíveis para viabilizar créditos orçamentários que possibilitem os pagamentos em caso de disponibilidade financeira e garantir a participação brasileira nesses fóruns”, explicou o governo.