A todo momento pipocam provas cabais de que, de fato, "o Brasil não é um país sério", frase disparada no ano de 1962 pelo embaixador brasileiro na França, Carlos Alves de Souza Filho, no auge da famosa Guerra da Lagosta, e depois equivocadamente atribuída a Charles de Gaulle. O pior: de onde mais se espera o bom exemplo para atenuar esse velho estigma, vem, ao contrário e cada vez mais, a sua categórica confirmação. É o que veremos a seguir.
Como já é sabido, meses atrás a Receita Federal constatou um furo milionário em detrimento do erário nas declarações do Imposto de Renda de vários senadores. Eles teriam driblado a fiscalização na classificação de verbas recebidas a título de 14º e 15º salários, lançando-as como rendimentos isentos da tributação.
Se já não bastasse a afronta aos demais brasileiros que, quando muito, recebem apenas um salário extra por ano (o 13º salário) e sobre ele são tributados pesadamente, os senhores senadores se deram o direito de ganhar três salários extras no mesmo período - o 13º, o 14º e o 15º salários. Foram além: sobre o 14º e o 15º salário, por se tratar de ganho com natureza política e não trabalhista, não há que se falar em contribuir com a nação mediante tributação pelo Imposto de Renda imposição a que todos os súditos de Pindorama estão sujeitos.
O Leão descobriu a anomalia, gritantemente prejudicial à moralidade e aos cofres públicos, e lançou suas garras para abocanhar legitimamente expressivo crédito tributário retroativo aos últimos cinco anos. O Senado assumiu responsabilidade pelo pagamento de parte da dívida fiscal e o montante restante ou foi quitado ou parcelado pelos senadores. Muitos parlamentares reconheceram publicamente o deslize administrativo daquela casa de leis ao classificar erroneamente referidos rendimentos para fins de tributação.
Julgamento relâmpago
Pois bem. Numa reviravolta surpreendente em torno de tudo o que se havia discutido sobre a questão, o Conselho Administrativo de recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (CARF), após deter-se meticulosamente sobre a natureza jurídica do 14º e do 15º salários dos senhores senadores, decidiu que se trata de mero auxílio à atividade política e, como tal, isenta do Imposto de Renda.
Em decorrência desse extraordinário julgamento, cujo trâmite do processo quebrou todos os recordes de que se tem notícia na via administrativa-fiscal, os senhores senadores da República terão direito à devolução do que foi pago "indevidamente", com correção pela Selic. Eventuais procedimentos atinentes a parcelamento do respectivo crédito tributário, agora extinto, serão arquivados para sempre.
Vale registrar, por oportuno, que o CARF é um colegiado composto à luz do princípio da paridade, com representantes do governo e da sociedade, estes escolhidos entre tributaristas com escritórios espalhados pelo país. O curioso é que esses notáveis não são remunerados. Trabalham sem preocupação com o leite das crianças. Interessante.
Mas nem tudo está perdido. A mesma casa de leis, recentemente notificada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para cortar os supersalários de seus 464 servidores e descontar os valores recebidos nos últimos anos acima do teto constitucional (remuneração superior a R$ 28 mil), decidiu sustar o ressarcimento dos excessos com base em uma liminar do mesmo TCU. Tudo ficará como está até a decisão final da demanda. Detalhe: a mesma festança a custa do suor do contribuinte é praticada na Câmara dos Deputados. Os servidores do Senado reclamam tratamento isonômico.
Vai faltar forno para tanta pizza!