A legislação do Imposto de Renda das pessoas físicas está recheada de passagens em que a frieza do calculismo arrecadatório é de cavalar insensibilidade diante da nossa realidade social. Exemplo disso é a insensata tributação sobre os alimentos recebidos por menores e as pensões de mães separadas, quando necessários à sobrevivência e à dignidade da pessoa humana. A cartilha do Leão manda tributar, como se renda fosse, qualquer valor acima do limite de isenção recebido em dinheiro, a título de alimentos ou pensões decorrentes de acordo ou decisão judicial, inclusive alimentos provisionais ou provisórios dos infantes.
Nem sequer a incapacidade civil do alimentado é causa excludente da incidência tributária ou merecedora de tratamento especial. Nesse caso, a tributação opera-se em nome do incapaz, via tutor, curador ou responsável por sua guarda.
Desconfiança
A única justificativa aceitável para exigir tributo sobre tais valores que, em regra, são destinados à garantia das condições mínimas de vida das pessoas favorecidas reside na desconfiança do Fisco em relação às conhecidas mágicas perpetradas por contribuintes com grande potencial econômico. De fato, elas existem. De vez em quando a fiscalização detecta engenhosos truques camuflados sob o manto de obrigações supostamente disciplinadas pelo Direito de Família. Mediante atos dissimulados, o fraudador ora diminui, ora anula a base tributável de sua renda, "transferindo" para a ex-mulher (não obstante mantendo com ela os mesmos vínculos matrimoniais) ou para os filhos vultosos rendimentos que ele deveria oferecer à tributação. A separação do casal, com a guarda dos filhos em poder de um dos cônjuges, às vezes existe "só no papel".
Joio e trigo
Certamente por causa dessa censurável possibilidade, o Fisco cerca os presumíveis efeitos de eventuais mágicas jurídicas, tributando indistintamente todos os beneficiários de alimentos e pensões judiciais baseados nas regras do Direito de Família. Em consequência, tanto as pessoas inocentes não raro necessitadas quanto as que inescrupulosamente agem em conluio recebem o mesmo tratamento. Devido às deficiências do aparato fiscalizatório, as garras da fera não se prestam a separar o joio do trigo.
Por duas razões, fica mais cômodo para o controle da fiscalização exigir a declaração do imposto de "renda" de todos os beneficiários cujos alimentos estejam acima da faixa de isenção: morder uma parte da sagrada pecúnia e monitorar a veracidade dos valores lançados na declaração dos alimentantes.
Em relação ao assunto, o Fisco adota a política do "toma-lá-dá-cá". Como é sabido, as importâncias efetivamente pagas a título de pensão alimentícia em cumprimento de prévia decisão ou acordo judicial são dedutíveis, em sua integridade, na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do Imposto de Renda e na declaração de ajuste anual, onde, obrigatoriamente, devem ser informados os nomes dos beneficiários. A propósito, vale registrar que o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, tribunal administrativo composto de representantes do Fisco e dos contribuintes, já decidiu que a homologação, pelo juiz, de pagamentos já efetuados antes da sentença legitima a dedução à época do pagamento.
Menor pobre
A incapacidade do Leão de separar a praga do trigo também se constata nas imposições legais atinentes ao abatimento da renda bruta em se tratando de menor pobre dependente do contribuinte. Para coibir fraudes, a legislação exige que o cidadão honesto e com senso humanitário percorra infindáveis corredores da Justiça para obter um papel que, por si só, pouco representa. Somente com guarda judicial do menor o contribuinte poderá considerá-lo como encargo de família e deduzir despesas com a instrução do mesmo. A virtude de criar e educar um menor carente não é suficiente para obter o "favor" do Estado!
É certo que existem as fraudes engendradas por contribuintes desonestos em benefício próprio. Essa praga não é privilégio exclusivo da savana onde impera o leão brasileiro. Mas não é menos certo que crianças necessitadas e cidadãos com grandeza de espírito e com coração grande não podem ficar à mercê de tão estúpida desconfiança, que se estabeleceu graças, unicamente, à inoperância do Estado. A cegueira do Leviatã para os dramas sociais não consegue distinguir a coisa daninha entre as boas.
Quando todos pagam por um, o fraco perde mais. No caso, a própria sociedade.
No vão da jaula
O tradicional Regulamento do Imposto de Renda da Fiscosoft chega à 14.ª edição apresentando o texto básico sobre a matéria, em vigor desde março de 1999, com anotações e comentários dos autores relativos à legislação superveniente. Atualizado até 13 de maio de 2011, o RIR conta com os atos normativos e os posicionamentos divulgados pelo Fisco, tendências nos julgamentos de temas atuais, além dos atos legislativos e administrativos.
A obra contempla notas de jurisprudência administrativa e judiciária, decorrentes de apreciação pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, de litígios envolvendo o tributo e também a seleção de Decisões em Consultas Tributárias proferidas pela Receita Federal. Uma obra indispensável aos que atuam na área.