A queda nas vendas no primeiro semestre do ano, em um cenário de inflação e desemprego em alta, tem criado um forte ambiente de negociação entre indústria, varejo e consumidores. De um lado, o comércio recorre a estratégias como a compra em volumes maiores, a redução do prazo de pagamento e o escalonamento no repasse dos reajustes para tentar não afugentar os clientes. De outro, construtoras e concessionárias de veículos oferecem descontos, condições facilitadas e buscam parcerias para estimular o fechamento de negócios.
No primeiro trimestre deste ano, o varejo registrou o pior resultado desde 2003, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Excluindo o setor automotivo, as vendas do comércio recuaram 0,8% em comparação ao mesmo mês do ano passado. A queda de 1,2% dos hipermercados e supermercados ajudou a puxar para baixo o resultado. Com os números no vermelho, muitas empresas têm intensificado as conversas com fornecedores.
Everton Muffato, diretor do Grupo Muffato, afirma que as negociações estão mais difíceis e que a rede de supermercados adotou uma política mais agressiva para evitar repassar os aumentos. “Firmamos uma postura de não aceitar aumentos integrais. Todos os que aconteceram foram parcelados. As negociações que antes duravam dois a três dias, agora estão durando uma semana”, diz.
EXIGÊNCIA
José Ricardo Noronha, especialista em vendas, afirma que as negociações ficaram mais exigentes. “É importante que as promoções sejam transparentes e ofereçam benefícios aos clientes”, diz.
Segundo o diretor, a alta dos custos está sendo bancada por todos. “A indústria e o varejo estão custeando parte do aumento, diminuindo a margem, e o consumidor também está pagando a conta. Acreditamos que o melhor é o equilíbrio entre o reajuste e o escalonamento para não desacelerar ainda mais o consumo”, avalia.
A pressão por aumentos no varejo vem principalmente dos reajustes nas alíquotas de impostos federais e estaduais e nos produtos que dependem do câmbio. Joanir Zonta, presidente do Condor, afirma que a rede absorveu parte dos aumentos da tarifa de energia elétrica, do diesel e do ICMS para não impactar o preço nas prateleiras. “Com esses aumentos não tem como dizer para o fornecedor que não vamos aceitar porque sabemos o que isso representa no custo dos produtos”, diz.
Estratégia
A rede de lojas de eletroeletrônicos Romera investiu em mudanças como negociar prazos de pagamento com os fornecedores ou buscar preços melhores com pedidos maiores. “Mesmo assim não estamos fazendo loucuras em comprar grandes volumes. Tudo é analisado com cuidado. Também estamos trabalhando fortemente para diminuir nossos dias de giro, trabalhando mais com o estoque da indústria do que com o nosso”, diz Júlio Lara, diretor executivo.
Para dar mais condições de compra para os clientes, a empresa está apostando em preços mais agressivos para os que preferem comprar à vista e ampliando planos de pagamento sem juros no carnê. “Diminuímos nossa margem para garantir apenas a recompra do produto. Nos parcelamentos, estamos subsidiando os juros e fazendo parcerias com a indústria para pagar a conta. Eu diminuo a minha margem, ela diminui a dela, e juntos movimentamos a cadeia de consumo”, diz.
Concessionárias parcelam até entrada para fechar negócio
Com o mercado de veículos novos acumulando queda de 18,4% nas vendas nos primeiros quatro meses do ano, as concessionárias têm feito esforços extras para fechar negócio. “Além das ações como bônus de fábrica, pagamento do IPVA, emplacamento e avaliação diferenciada do veículo usado, também estamos parcelando a entrada quando o cliente precisa, o que geralmente não fazíamos em outros momentos”, afirma Marcelo Oliveira, gerente de vendas da Fórmula Renault.
Outra preocupação também é atrair os clientes para dentro das lojas. “Hoje o grande problema é o fluxo de clientes que diminuiu consideravelmente”, afirma Fábio Zago, gerente geral da Hyundai Sevec. Segundo ele, o momento econômico tem gerado negociações mais flexíveis. “Tudo é feito em parceria com a própria fábrica. Taxas melhores de financiamento, melhor avaliação do veículo de entrada e outras ações pontuais”, diz.
Já Felipe Andreazza, diretor comercial da Niponsul, afirma que a Honda está atravessando um momento diferente da maioria das marcas por conta dos lançamentos recentes, como o utilitário esportivo HR-V, que alavancou as vendas da marca em 15% no primeiro quadrimestre do ano e gerou uma fila de espera de clientes interessados.
“Por isso estamos tomando bastante cuidado com o cliente que entra aqui achando que nós estamos flexibilizando muito na negociação. Na HR-V, por exemplo, estamos trabalhando com o preço cheio, mas não queremos espantar o comprador”, afirma. Andreazza destaca algumas campanhas pontuais – como a atual que dá bônus de R$ 3.000 na compra do Honda Civic – como forma de atrair o cliente que busca preços melhores. “Como o Civic está no momento com um estoque um pouco maior, damos uma condição um pouco melhor para ele”, afirma.
Construtoras apostam em feirões e parcerias para atrair clientes
Mais do que propaganda, a indústria da construção civil tem apostado em feirões e promoções especiais para atrair a atenção de compradores. Com negociações mais demoradas e exigentes, o desafio, segundo André Marin, diretor de incorporação da Laguna, é trazer o cliente para conhecer os produtos. “O que tem acontecido é que muitos nem vêm visitar o plantão de vendas. Para estimular essa vinda, apostamos em campanhas especiais, como a mais recente, em que o cliente que adquirisse um dos nossos imóveis ganharia um carro de luxo”, diz.
A promoção da Laguna, encerrada na última quinta-feira, foi feita em parceria com uma revenda de veículos importados e potencializou as vendas da construtora. “Foi surpreendente. Em dois meses vendemos mais do que o dobro de unidades que havíamos vendido em todo o período da campanha”, afirma o executivo.
Luiz Augusto Brenner Rose, diretor da Imobiliária Lopes, afirma que as negociações entre as construtoras e os clientes estão resultando em condições melhores para o comprador. “O momento de maior retração é quando as oportunidades aparecem. Com as incorporadoras apertando o cinto, muitos clientes que não haviam conseguido comprar na hora do boom estão conseguindo agora”, avalia.
Segundo o diretor da Lopes, as incorporadoras têm buscado tornar as negociações mais atraentes oferecendo mais parcelamento no valor da entrada e maiores descontos na antecipação dos pagamentos.
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