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Em defesa de uma reforma do Estado

Cingapura é hoje o modelo mais acabado de capitalismo tutelado pelo Estado e está inspirando outros países asiáticos. | EDGAR SU
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Cingapura é hoje o modelo mais acabado de capitalismo tutelado pelo Estado e está inspirando outros países asiáticos. (Foto: EDGAR SU /REUTERS)

Os sinais de que há algo de disfuncional nos Estados ocidentais são abundantes. A polarização paralisante do Congresso dos Estados Unidos, a quase desintegração recente da União Europeia e a ascensão do populismo na América Latina são exemplos de que o modelo fundado na formação do Estado nacional, no século 17, não anda bem. Em contraste, o surgimento de um novo estilo de governo na Ásia, liderado pela improvável “ditadura de mercado” de Cingapura, representa uma ameaça à democracia liberal como a conhecemos.

Esse fenômeno já bastante claro para observadores da política internacional inspirou dois editores da revista britânica The Economist a fazerem um diagnóstico do que há de errado com o Estado ocidental, com algumas prescrições sobre o que é possível fazer para que a democracia liberal retome a condição de melhor opção diante de todas as outras. A tese central de John Micklethwait e Adrian Wooldridge em A Quarta Revolução é a de que os Estados terão de passar por uma reforma profunda, inspirada no liberalismo do século 19.

A ideia da “quarta revolução” foi a maneira encontrada pelos autores para analisar o Estado em uma perspectiva histórica. A primeira revolução foi a constituição do Estado nacional, no tempo em que o Leviatã, de Thomas Hobbes trouxe ao mundo a ideia de que cabia ao Estado garantir a lei e a ordem. Na prática, nos séculos 17 e 18, se constituíram na Europa Estados fortes o suficiente para evitar a fragmentação do território em milhares de principados e para empreender a corrida pela conquista de territórios, o lançamento das primeiras empresas nacionais e a revolução intelectual que colocou o continente à frente dos concorrentes asiáticos.

A segunda revolução foi a constituição do Estado liberal, inspirado na filosofia que emergiu principalmente no mundo anglo-saxão, com a substituição no século 19 do antigo regime de patronagem. O Leviatã foi aos poucos contido, controlado e abriu mão de grande parte de seu poder de intervenção. Ganhou eficiência e transparência e abriu passagem para o capitalismo como o conhecemos hoje.

Impressionado com os conflitos que emergiram no processo de urbanização e industrialização, e influenciado pelo socialismo, um grupo de pensadores, na transição para o século 20, entrou em cena para defender a intervenção do Estado para garantir direitos fundamentais de cidadania. A ideia de que o Estado precisava assumir um papel ativo ganhou corpo até se tornar a política-padrão no mundo devastado pela Segunda Guerra Mundial.

Para os autores, a guinada liberal dos anos 80 não chegou a ser uma revolução completa. Mesmo no Reino Unido de Margaret Thatcher, o encolhimento do Estado teria sido modesto e insuficiente para evitar as dificuldades atuais. Poucos governos ocidentais, na visão dos autores, não precisam se preocupar hoje com déficits fiscais , sistemas políticos esquizofrênicos e serviços públicos ineficientes.

Prescrição

Diante desse diagnóstico, a prescrição dos autores é um resgate do espírito dos liberais clássicos. Os governos deveriam fazer uma dieta rigorosa, privatizando o que puderem – participações em empresas, terrenos ociosos, entre outros. O segundo remédio seria cortar os subsídios para os ricos – o que, incrivelmente, é comum em todos os países e aumentam enormemente os déficits fiscais. Em terceiro lugar, seria necessário podar direitos sociais, para que eles não se tornem um fardo para as gerações futuras – como um aumento na idade mínima de aposentadoria.

A análise de A Quarta Revolução é, claro, de viés liberal. Parte da premissa de que o inchaço do Estado está por trás de sua atrofia. O problema da abordagem é que ela não se encaixa para todos os países que adotaram a democracia liberal – falha admitida pelos próprios autores, que se concentraram nos casos de Estados Unidos e Reino Unido. É de certa forma irônico que eles tenham encontrado na Suécia um modelo de sucesso a ser estudado – o país escandinavo passou pela “dieta” receitada para a quarta revolução, mas não deixou para trás inteiramente os tempos do bem-estar social.

Para o leitor brasileiro, a análise não deixa de ser útil. O Brasil parece sofrer do que há de pior dos dois lados do Atlântico: um sistema político distorcido, que não atende os anseios dos eleitores, e um Estado moldado para ser uma espécie de babá da sociedade.

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