Além de prejuízos bilionários, a crise energética deixou um desafio urgente para o setor elétrico brasileiro: decidir qual será a fonte de energia capaz de dar fôlego a um novo ciclo de expansão, sem sobressaltos no abastecimento.
Com a perda de protagonismo das hidrelétricas, o setor vai precisar escolher se aposta nas fontes renováveis e caminha em direção a uma matriz mais limpa, ou se opta pelas termelétricas, mais sujas.
INFOGRÁFICO: Veja o potencial e a produção de cada fonte de energia no Brasil
Ano após ano, as hidrelétricas vêm perdendo espaço. O Plano Decenal de Energia (PDE) 2016, elaborado em 2007, previa que expansão hidráulica chegaria a 109.058 megawatts de capacidade instalada neste ano, mas chegou a 87.136 megawatts (MW).
A previsão agora é atingir o valor projetado inicialmente somente em 2024, quando a participação das hidrelétricas na matriz deve cair dos atuais 61,2% para 56,7%.
Em contrapartida, as termelétricas, cuja participação quase dobrou na última década, devem continuar aumentando sua fatia na matriz nos próximos anos, embora essa não seja a previsão do governo. O salto mais impressionante, contudo, veio das eólicas. Partindo praticamente do zero, elas acrescentaram, em uma década, 8.592 MW de capacidade instalada à matriz brasileira.
Mas isso não significa que teremos uma matriz mais limpa, segundo especialistas. Embora cresçam a olhos vistos no país, eólica e solar não oferecem segurança ao sistema, pois dependem dos ventos e do sol para gerar energia. “Não consigo ver no longo prazo um setor equilibrado sem uma participação maior do gás natural”, diz Erik Eduardo Rego, analista da consultoria Excelência Energética.
Se a complementação térmica precisa vir por meio do gás natural, a crise do setor nos mostrou, por outro lado, que a dependência do diesel ainda é muito grande, o que encarece – e muito – essa fonte.
“A oferta de gás, hoje nas mãos da Petrobras, limita a expansão das térmicas. Falar de um novo modelo para o setor elétrico significa discutir monopólio, o papel da Petrobras e a abertura de mercado para o gás”, afirma Rego.
Ronaldo Goulart Bicalho, do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o setor elétrico brasileiro foi todo estruturado a partir das hidrelétricas, uma fonte extremamente barata e disponível. Mas o jogo mudou. “A questão agora é saber de qual fonte vamos obter uma energia mais barata. As térmicas precisam ser repensadas, pois, na média, ainda são muito caras”, diz.
Para Bicalho, o cenário ideal teria termelétricas mais baratas operando na base com complementação das renováveis, como eólica, PCHs e solar. “Os reservatórios das hidrelétricas ainda são a nossa grande vantagem. Eles nos dão a oportunidade de poupar a água e encaixar as renováveis, sobretudo as eólicas, de uma forma diferente no sistema. Vamos sujar um pouco a matriz, mas temos condições de chegar ao fim desse processo com uma energia mais competitiva”, diz.
Megaprojetos de usinas estão com os dias contados
Na lista de projetos que constam no cenário de expansão energética, para entrada em operação até 2024, destacam-se as usinas de Belo Monte e São Luiz do Tapajós, com 11.233 MW e 8.040 MW de potência total, respectivamente. Esses dois empreendimentos, somados, correspondem a 68% da expansão hidrelétrica prevista para o período.
Como se vê, o potencial hidráulico existente no país não é pequeno, mas está concentrado na Amazônia, o que, na prática, torna cada vez mais raros grandes projetos como Belo Monte, São Luiz do Tapajós ou as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no complexo do Rio Madeira.
Outro aspecto, evidenciado pela recente crise hídrica, é a mudança nos regimes hidrológicos de chuva, que afeta o nível dos reservatórios, reduzindo o potencial de geração.
Brasília, no entanto, parece não pensar assim. “Apesar dos argumentos, o governo insiste em mega projetos na Amazônia que são um problema ambiental e social. Não me parece o caminho a ser seguido. As alternativas “menores”, como a geração distribuída, as PCHs, a solar, precisam ganhar participação no setor”, avalia Erik Rego, analista da Excelência Energética.