A preocupação com a Previdência Social não é exclusividade de países com elevado déficit fiscal como o Brasil. Estados Unidos e Chile, com modelos diferentes de Previdência e forte participação privada, enfrentam o debate sobre como garantir condições dignas para seus trabalhadores na aposentadoria.
Nos EUA, metade das famílias têm menos de US$ 5 mil em suas reservas para garantir o futuro, segundo os dados mais recentes. Crescem as dúvidas de que os planos de aposentadoria — conhecidos pelo nome 401k — sejam capazes de efetivamente complementar a renda da seguridade social, que tem uma das baixas taxas de reposição (a relação entre a renda na vida ativa e na hora da aposentadoria) do mundo.
O Chile — cuja Previdência foi apontada por muitos anos como modelo em todo o mundo — registrou em 2016 uma onda de protestos por causa dos baixos valores de aposentadoria. Cerca de 80% dos aposentados recebem menos de um salário mínimo e quase metade (44%) está abaixo da linha de pobreza. O movimento “No +AFP” defende o fim do modelo de previdência privada instaurado no país nos anos 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet, em que a contribuição é feita exclusivamente pelo trabalhador ao longo de sua vida profissional (no montante correspondente a 10% do salário) e administrada por grupos privados.
A presidente Michelle Bachelet revelou recentemente uma proposta de reforma que mantém o sistema — que já passou por mudanças em 2008 —, mas sugere alterações como uma contribuição do empregador (de 5% do salário) e o fortalecimento do chamado pilar solidário, que compensa aqueles com menor renda.
Estudo recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou o aumento da importância dos fundos de pensão para a complementação das aposentadorias públicas em todo o mundo, mas alertou para o fato de que há riscos envolvidos. Um dos principais desafios é que cada vez mais os indivíduos são responsáveis por administrar seus próprios recursos para a aposentadoria e o conhecimento financeiro é baixo. Assim, muitos acumulam pouco dinheiro ou escolhem alternativas com custo elevado de administração, o que compromete a rentabilidade.
“Estamos à beira de uma crise de aposentadoria. Somos um país rico, mas com um sistema de aposentadoria pobre. Começamos a ver evidências de mais idosos pobres”, afirma a economista do think-thank Instituto de Política Econômica (EPI, na sigla em inglês) Monique Morrissey, ao comentar a situação nos Estados Unidos.
EUA entre os piores
A chamada taxa de reposição — que é quanto o salário da aposentadoria representa daquele da idade ativa — é de 45% nos Estados Unidos. O país está entre os dez piores de um conjunto de 42 nações, segundo levantamento da OCDE. Na média dos países da OCDE, a taxa é de 63%. Nos EUA, o valor médio das aposentadorias pagas pelo sistema de seguridade social nos EUA é de US$ 1.300. Para o custo de vida americano, o valor é considerado baixo, daí a necessidade de um complemento.
Monique explica que os planos 401k foram criados por acaso, por causa de benefícios tributários, mas que, aos poucos, vêm substituindo os tradicionais planos de pensão de empresas, que garantiam um pagamento fixo na aposentadoria. No caso do 401k, as empresas escolhem os fundos de investimentos nos quais os recursos dos funcionários devem ser aplicados, mas não são obrigadas a contribuir para eles. Ao mesmo tempo, o valor que será recebido na aposentadoria dependerá integralmente do que foi acumulado ao longo dos anos. E o investimento fica sujeito aos riscos do mercado financeiro e às oscilações da Bolsa de Valores.
“É justo dizer que os americanos estão batalhando. A renda da seguridade social nunca foi suficiente para se aposentar sem nada a mais, e agora está se reduzindo com o aumento gradual da idade mínima de aposentadoria. Os planos de benefício definido foram substituídos por aqueles de contribuição definida, como o 401k, que exigem muito mais disciplina e conhecimento financeiro. Com isso, a segurança da aposentadoria foi reduzida. Cerca de metade dos lares deve enfrentar queda no padrão de vida na hora da aposentadoria”, diz o economista do Centro de Pesquisa de Aposentadoria da Universidade de Boston Matthew Rutledge.
O medo das taxas de administração
O ambientalista James Noviello, de 37 anos, diz que pensa muito em sua previdência. Sem filhos, ele conta que poderia colocar mais recursos em seu plano 403b (similar ao 401k), mas que não faz isso por temer a taxa de administração do fundo e perdas que podem ocorrer nas aplicações por causa das oscilações nas Bolsas de valores.
“Preocupo-me com a possibilidade de o mercado acionário não estar tão forte quando eu me aposentar e que o fundo tenha um portfólio de ações mais fraco que o projetado. E ainda me preocupo com o custo de vida na hora de aposentar, temo que minha renda não seja suficiente para viver o estilo de vida que quero”, afirma ele, que adora viajar pelo mundo.
Ele teme ter de seguir trabalhando mesmo depois dos 67 anos porque o sistema pode estar diferente na hora que ele se aposentar. “Felizmente gosto do que faço e não me importaria de fazê-lo para sempre. Só espero que não precise ficar num escritório para isso”, diz Noviello, acrescentando que este é um tema recorrente entre amigos de mesma idade e que praticamente todos desconfiam que algo vai mudar, para pior, até chegar a hora da aposentadoria.
Benefícios baixos revelam falhas do modelo chileno, que já foi exemplo
- Rio de Janeiro
Por muitos anos, o Chile foi apontado como exemplo de sucesso na administração de suas aposentadorias. Mais de 30 anos depois da reforma no sistema, no entanto, os benefícios baixos deixam em evidência falhas no modelo de contribuição definida. Em média, o valor pago é de US$ 300 por mês. Diante da situação, o ano de 2016 foi marcado por protestos de aposentados e trabalhadores.
Por um lado, quem ficou muito tempo fora do mercado de trabalho formal ao longo da vida profissional não consegue acumular recursos suficientes, o que afeta especialmente mulheres. Ao mesmo tempo, chilenos reclamam das elevadas taxas cobradas pelos grupos privados responsáveis pela administração dos recursos. Isso reduz o montante que sobra para as aposentadorias.
Uma comissão de especialistas internacionais e chilenos foi formada em 2014 para avaliar a previdência no país, mas ficou dividida: metade sugeriu a manutenção do sistema, com correções, e a outra metade defendeu um sistema misto, com participação do setor público.
“A comissão mostrou pela primeira vez evidências de que muita gente recebe a aposentadoria, a cobertura é ampla, mas o nível é muito baixo. A grande maioria recebe menos que o salário mínimo “, diz o professor da Universidade do Chile AndrasUthoff, que foi um dos 24 integrantes da comissão.
A revelação de uma aposentadoria milionária de uma funcionária pública no Chile em 2016 gerou ainda mais descontentamento entre os chilenos. O plano apresentado pelo governo chileno ainda está em discussão e deve avançar nos próximos meses.
“O sistema atual do Chile é bom para acumular poupança e estimular o mercado de capitais, mas se esquece de seu principal propósito, que é o de dar boas condições para a população na aposentadoria”, diz Uthoff.
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