Em operação há quase duas décadas, a Ferroeste ainda luta para ganhar relevância – e dinheiro. A ferrovia de 249 quilômetros que liga Cascavel a Guarapuava, idealizada para escoar a produção agrícola do Oeste do Paraná, não transporta nem 5% da safra da região, e dá prejuízo desde a partida da primeira locomotiva, em 1996.
As dificuldades são crônicas. Demanda existe, mas faltam locomotivas e vagões para atendê-la. E as más condições da via que segue de Guarapuava ao litoral, em especial no ramal até Ponta Grossa, desestimulam a própria concessionária desse trecho – a Rumo ALL – a captar cargas do Oeste e levá-las a Paranaguá, o que deixa a Ferroeste praticamente “ilhada”.
INFOGRÁFICO: acompanhe o resultado da Ferroeste nos últimos anos e entenda os impasses que a cercam
As perdas acumuladas nos últimos 15 anos chegam a R$ 140 milhões. Parte desse prejuízo foi compartilhada por todos os paranaenses: desde 2007, quando o governo estadual reassumiu a operação da ferrovia após dez anos de concessão ao setor privado, o déficit somou R$ 72 milhões. Não chega a surpreender, portanto, o rumor de que o Palácio Iguaçu estaria planejando vender a estatal que administra a ferrovia, que também se chama Ferroeste.
Mas, segundo o presidente da companhia, João Vicente Bresolin Araújo, o boato não procede. Prova disso, argumenta, é o plano de investir R$ 10 milhões na ampliação da frota, que hoje tem dez locomotivas e só 60 vagões.
No cargo desde 2012, o executivo, um engenheiro de 27 anos oriundo das fileiras da ALL, não promete milagre nem alardeia um futuro glorioso para a Ferroeste. A prioridade está no dia a dia da operação.
330 mil
toneladas de grãos foram transportados em 2014 pela Ferroeste, o equivalente a 4% da produção de milho e soja do Oeste. No total, a empresa movimentou 771 mil toneladas, ou 15% da capacidade de seu terminal.
Foco na operação
Contas em dia
Em 2014 a Ferroeste quitou todas as dívidas com fornecedores – a exceção são as discutidas na Justiça. Também aproveitou o “Refis da Crise” para renegociar as dívidas com o governo federal, obtendo certidão negativa de débitos.
Atitudes simples como a troca das bombas de abastecimento – bancada pelo fornecedor de combustível – e o conserto de defeitos na via reduziram o tempo de espera das composições e agilizaram as viagens entre Cascavel e Guarapuava, que baixaram de 12 horas para 9h30. O resultado, diz Araújo, é a redução do prejuízo: no ano passado, foi de R$ 6,8 milhões, o mais baixo em sete anos.
Para eliminar as perdas, no entanto, é preciso mais. “Chegamos ao ponto em que novas ações de melhoria operacional são muito caras. Agora precisamos de mais vagões e locomotivas”, diz o executivo. A empresa negocia com a Ferrovia Centro-Atlântica e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) a cessão onerosa de cinco locomotivas MX620 – modelo produzido entre os anos 1970 e 1980 – e 400 vagões graneleiros FHD, também usados.
A cessão, válida até o fim da concessão da Ferroeste, em 2078, sairia por cerca de R$ 10 milhões – quase nada perto do custo de equipamentos novos, de R$ 140 milhões, segundo Araújo. “As máquinas e vagões foram vistoriados por auditores e estão operacionais”, garante. Apesar das dificuldades de caixa do estado, ele acredita que o dinheiro comece a ser liberado no segundo semestre.
Projeções
O presidente da Ferroeste diz que, mesmo sem os novos equipamentos, a companhia espera transportar 850 mil toneladas neste ano, 10% mais que em 2014. Com a ampliação da frota, o número pode chegar a 1,5 milhão de toneladas no ano que vem. “Para atingir o ponto de equilíbrio, precisamos faturar 100 mil toneladas por mês. Não é difícil chegar a isso em 2016.”
R$ 6,7 milhões
foram investidos na Ferroeste de 2001 a 2013, segundo relatórios da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), reguladora do setor. A maior parte foi em 2013 (R$ 4 milhões). É pouco. “A Ferroeste tem grande potencial de cargas e pode ser viabilizada, desde que receba investimentos para aumentar sua produtividade”, avalia Thiago Péra, coordenador do Esalq-Log, um grupo de pesquisa em logística agroindustrial da USP.
Curta, ferrovia é menos competitiva do que rodovias
Em um país onde o frete rodoviário é barato, é difícil dar competitividade a uma ferrovia de 249 quilômetros. “O ideal no Brasil é que a extensão ultrapasse 700, 800 quilômetros”, diz Ricardo Martins, professor de logística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Embora na prática a Ferroeste não se limite a 249 quilômetros, pois tem ligação com outra ferrovia e a lei estabeleça o direito de passagem, a questão é mais comercial que legal. A concessionária do trecho seguinte [Rumo ALL], por razões comerciais, prioriza suas próprias cargas.”
Para Martins, que fez estudos sobre a logística do agronegócio no Oeste paranaense, a Ferroeste seria mais viável se fosse executado o projeto original, integrado ao Mato Grosso do Sul. A concessão, que teve início em 1988 e vai até 2078, previa a construção de um ramal até Dourados. O governo federal chegou a considerar uma ligação até Maracaju, ao norte de Dourados, mas parece ter abandonado a ideia. O mesmo destino teve outra alternativa que daria fôlego à Ferroeste, a construção de uma nova ligação entre Guarapuava e Paranaguá.
Efeito
Segundo Weimar Freire da Rocha Junior, coordenador da pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Unioeste, a situação da ferrovia encarece os custos na região – que depende basicamente da saturada BR-277 e de outras rodovias de pista simples. “Se o transporte ferroviário avançasse, os grãos e produtos agrícolas da região ficariam mais competitivos, e os produtos que recebemos, como fertilizantes, combustíveis e cimento, ficariam mais baratos”, diz. (FJ)
Estatal mira cargas que não dependam da Rumo ALL
Mesmo ficando com 65% da tarifa quando uma carga é transportada de Cascavel a Paranaguá, a Rumo ALL não costuma ceder seus vagões à Ferroeste; em geral, isso só ocorre quando sua frota no Norte do estado está ociosa. Assim, a capacidade de transporte da estatal fica aquém da demanda dos clientes instalados no terminal do Oeste. “Na sexta-feira (12), por exemplo, poderíamos ter carregado 7,5 mil toneladas. Mas faturamos 2,5 mil”, conta o presidente da Ferroeste, João Vicente Bresolin Araújo.
Um executivo da Rumo ALL disse à Gazeta do Povo, no início do mês, que a empresa tem interesse em atender o Oeste e para isso estaria disposta a investir no problemático trecho Guarapuava-Ponta Grossa. Antes, no entanto, precisará negociar uma parceria com a Ferroeste. Ao que tudo indica, a questão não será resolvida tão cedo.
Cooperativas
Enquanto isso, a estatal busca se concentrar em “projetos 100% Ferroeste”, que não dependam da Rumo ALL. “Estamos nos concentrando no nosso fluxo interno”, diz Araújo. Exemplo disso é o transporte de soja e milho de Cascavel para a Cooperativa Agrária, em Guarapuava. Foram 51 mil toneladas ao longo de 2012, 143 mil em 2013 e 112 mil de janeiro a maio deste ano.
Também tem crescido o transporte de contêineres frigorificados para a Cotriguaçu: de 55 mil toneladas em 2012, o número subiu a 167 mil toneladas em 2013 e 95 mil nos cinco primeiros meses deste ano. A cooperativa toca um plano de investimentos de R$ 200 milhões em seu terminal na Ferroeste, dos quais R$ 100 milhões já foram aplicados. (FJ)
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