O rendimento do FGTS no primeiro semestre deste ano foi o pior em pelo menos um quarto de século. Entre janeiro e junho, a conta de cada trabalhador teve remuneração de 2,1%, um índice que, comparado à inflação de 6,8% medida pelo INPC, corresponde a uma perda real de 4,4%. Desde 1990, quando entraram em vigor as atuais regras do Fundo de Garantia, nunca houve, nos seis primeiros meses do ano, uma redução tão grande em seu poder de compra.
Com poucas exceções, o FGTS perde para a inflação há mais de uma década. Nos últimos 15 anos, o rendimento do Fundo no primeiro semestre superou o INPC apenas duas vezes, em 2006 e 2007. A remuneração nominal das contas até melhorou um pouco de 2013 para cá. O que acentuou as perdas foi a disparada da inflação.
A corrosão do patrimônio dos cotistas reforça os argumentos de quem defende mudanças na remuneração das contas vinculadas ou pelo menos mais liberdade para o trabalhador resgatar ou investir seu saldo. Há várias propostas do gênero na Câmara dos Deputados e no Senado, algumas tramitando há anos, mas elas nunca tiveram tanta chance de prosperar como agora, em meio à crise política do governo.
A remuneração é tão acanhada que contraria até o propósito de constituição do Fundo. Ele foi criado para servir como uma proteção ao trabalhador do setor privado, que, ao contrário do funcionário público, não tem a estabilidade do emprego,”
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), planeja colocar uma delas em votação assim que a Casa voltar do recesso, na primeira semana de agosto. O projeto de lei – apresentado pelo presidente do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva (SP), e pelos líderes do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), e do DEM, Mendonça Filho (PE) – determina que as contas do FGTS sejam remuneradas como a caderneta de poupança a partir de 2016. Assim, em vez de 3% ao ano mais a Taxa Referencial (TR), o Fundo renderia 6% mais TR.
Pressionado, o governo acena com uma contraproposta: permitir que os cotistas apliquem até 30% de seu saldo no FI-FGTS, um fundo de investimentos que aplica dinheiro em empreendimentos de infraestrutura e que no ano passado rendeu 7,05%. A sugestão é requentada. O FI foi criado em 2008, com recursos do patrimônio líquido do FGTS, parcela que não pertence aos trabalhadores. A possibilidade de participação dos cotistas estava prevista desde aquela época e já foi aprovada pelo Conselho Curador do Fundo, mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não a regulamentou até hoje.
“Confisco”
“Qualquer coisa que renda mais que o FGTS já é alguma coisa”, diz Mario Avelino, presidente do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador. Segundo ele, nem a remuneração idêntica à da caderneta de poupança nem a permissão para aplicar no FI vão eliminar as perdas dos cotistas, mas pelo menos podem reduzi-las.
Segundo Avelino, só há um jeito de garantir ganhos reais: trocar a TR por algum índice de inflação. Isso porque, a partir de 1999, o Banco Central passou a aplicar um “redutor” sobre a TR. E o rendimento do Fundo, que costumava superar a inflação, logo passou a ser negativo.
Desde a mudança na TR, há 16 anos, o governo deixou de creditar quase R$ 270 bilhões nas contas dos trabalhadores, calcula Avelino, o que ele classifica de “confisco”. “Não é preciso um novo projeto de lei para corrigir isso. Basta votar o projeto que está no Senado desde 2007 ou o que está na Câmara de 2008”, diz Avelino, referindo-se a duas propostas sugeridas pelo instituto que ele preside.