Além de torcer para que continue chovendo, o governo federal conta com a queda no consumo de energia e o incentivo ao uso de geradores para evitar um racionamento neste ano. Para boa parte dos especialistas, no entanto, o país já deveria estar racionando energia e, na prática, o Executivo está apenas adiando o problema para 2016.
Se parar de chover, reservatórios garantem apenas 40 dias de consumo
A situação dos reservatórios das hidrelétricas está pior que em 2001, ano em que o governo decretou racionamento. Mas, como fez o governo FHC, a gestão de Dilma Rousseff prefere esperar até o último momento para agir, o que tornará as soluções mais caras para a sociedade. A avaliação é de Rafael Herzberg, sócio-diretor da consultoria Interact, de São Paulo.
Cálculo do consultor indica que, em março de 2001, o volume de energia armazenado (em forma de água) nas hidrelétricas era suficiente para dois meses do consumo nacional. Agora, corresponde a 1,3 mês, cerca de 40 dias. É o que duraria o estoque de energia caso parasse de chover.
Armazenamento
Mesmo embutindo no cálculo a redução da participação da energia hidrelétrica na matriz brasileira, que baixou de 90% para 70%, o armazenamento atual ainda é pior: equivale a 1,8 mês de consumo, ante 2,2 meses em 2001. “A situação atual é mais frágil que em qualquer outra época, mas o governo trata do assunto com irresponsabilidade”, afirma Herzberg. (FJ)
A própria confirmação das expectativas do governo teria efeitos colaterais. Isso porque a queda no consumo depende, em parte, da continuidade da crise econômica; e porque, quanto mais os shoppings e a indústria acionarem seus geradores para ajudar o sistema, mais cara ficará a fatura para o consumidor.
A aposta em uma moderação da demanda foi abordada, em diferentes ocasiões nas últimas semanas, pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, e pelo diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp. Braga disse acreditar em uma queda de 3% a 5% no consumo de energia em relação a 2014. Chipp, por sua vez, avisou que as projeções do operador, inicialmente de um aumento de 3,2% na demanda em 2015, devem ser revistas para uma expansão de apenas 0,2%. Segundo o ONS, a carga de energia – consumo mais perdas – em janeiro ficou 0,2% abaixo da verificada um ano antes. Em fevereiro, a queda foi de 5,7%. Nos primeiros 22 dias de março, a carga baixou 0,1%, também na comparação com igual período de 2014.
Usinas
Curitiba recebe nesta terça (24) e quarta-feira (25) o 6º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas, na Universidade Positivo.
O discurso oficial é de que o “realismo tarifário” – traduzido, no Paraná, em um aumento extraordinário de 32% na conta de luz residencial neste mês – e as campanhas publicitárias preparadas pelo governo vão conter o gasto de energia. Mas a crise econômica, e seu impacto sobre a produção industrial, também age para limitar o consumo. Aliás, já agiu neste primeiro trimestre, junto com o verão um pouco mais ameno.
O ONS tem dito que, se os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste chegarem ao fim de abril ocupando pouco mais de 30% da capacidade, o país conseguirá atravessar o chamado “período seco” e chegar a novembro com um armazenamento de 10% do máximo. Nesta segunda-feira (23), os lagos desse subsistema subiram a 26%. Chama atenção que o operador ache aceitável essa hipótese, uma vez que o nível de 10% é considerado o mínimo dos mínimos – muitas hidrelétricas já não operam nesse patamar.
Projeção perigosa
“Se tivermos um inverno um pouco mais chuvoso, acho que chegamos sem racionamento ao período úmido, de novembro em diante. Agora, se o próximo período úmido for igual a este que está acabando, aí ninguém escapa”, diz Walfrido Avila, presidente da comercializadora Trade Energy, de Curitiba.
Robson Luiz Rossetin, diretor presidente da Electra Energy, outra comercializadora curitibana, lembra que o país já atingiu os requisitos técnicos para um racionamento. “O Custo Marginal de Operação [CMO, que reflete o custo de cada megawatt adicionado ao sistema] já passou de R$ 1,4 mil por megawatt-hora, que é o chamado primeiro patamar de déficit, um indicativo da necessidade de racionar”, explica.
Lucrativo para o dono, uso de gerador será pago pelos usuários
O programa que o governo preparou para estimular donos de geradores a usá-los por várias horas ao dia – e, assim, poupar o consumo de energia da rede – promete ser lucrativo para quem tiver esses equipamentos, mas custará caro para o consumidor. Inicialmente as distribuidoras é que vão remunerar os donos de geradores (shoppings, hotéis, fábricas, etc), mas depois elas poderão repassar o custo à fatura de seus clientes.
Os volumes envolvidos não são desprezíveis. O governo federal espera a adesão de cerca de 2,5 mil megawatts (MW) ao programa. No Paraná, estima-se que a potência dos geradores passe de 400 MW – para se ter ideia, a termelétrica de Araucária tem 484 MW.
Conforme a minuta da resolução normativa preparada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as distribuidoras terão de pagar R$ 1.420,34 por megawatt-hora (MWh) de energia produzida por geradores a diesel e R$ 792,49 por MWh para equipamentos a gás natural. Para as demais fontes, o valor será de R$ 388,48 por MWh, mesmo patamar de preço do mercado de curto prazo. “O custo de geração para um gerador a diesel é de algo próximo a R$ 750 por megawatt-hora. O programa pagará quase o dobro”, diz Robson Luiz Rossetin, diretor-presidente da Electra Energy.
Ainda falta solucionar algumas questões, no entanto. A incidência de tributos como o ICMS, por exemplo. Além disso, as licenças ambientais de geradores terão de ser renovadas em novas bases, uma vez que, em vez de funcionar três horas por dia, poderão gerar o tempo todo. Os equipamentos também terão de ser registrados na Aneel, o que pode demorar. (FJ)
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