O governo brasileiro vai reagir em duas esferas contra a guinada protecionista dos Estados Unidos, expressa no dispositivo "Buy American" (compre produtos americanos) do pacote de estímulo à economia. Com o cuidado de não gerar "confrontação", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai se queixar da medida em sua primeira conversa "amistosa e cordial" com o presidente americano, Barack Obama, no dia 17 de março, em Washington. Duas semanas depois, em Londres, Lula deverá elevar o seu tom crítico à saída protecionista para a crise diante dos líderes do G20, segundo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Em uma segunda esfera, o Itamaraty prepara-se para uma possível queixa formal do Brasil contra os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC). Setores internos do ministério, as embaixadas brasileiras em Washington e Genebra e outras áreas do governo preparam estudos técnicos e jurídicos para sustentar o caso, sob o comando de Amorim.
"Procuraremos sempre que (a conversa entre os presidentes) seja amistosa e cordial, buscando soluções comuns. Este não é tema para a confrontação, mas de uma saída comum para esta crise, que começou nos EUA, cuja solução depende muito dos EUA, mas que afeta a outros países também", resumiu o chanceler, em um tom mais diplomático.
Segundo Amorim, ao aprovar o pacote com um dispositivo de caráter protecionista, os EUA deram um sinal contrário ao estímulo da economia mundial e à luta contra a "tendência natural" dos governos de optar por medidas protecionistas em situações de crise. Ao aprovar o pacote econômico de US$ 789 bilhões, na semana passada, o Congresso americano preservou a cláusula Buy American, que restringe o fornecimento de insumos do setor siderúrgico e de manufaturas para obras públicas apenas a empresas nacionais ou de países com os quais os EUA tenham acordos específicos - os europeus, o Canadá e o México. "Esse não é o melhor dos sinais", resumiu Amorim.
A rigor, o Brasil não pode queixar-se do descumprimento dos EUA ao Acordo sobre Compras Governamentais (AGP, na sigla em inglês) da OMC. O País não é signatário. Mas o Itamaraty avalia a incoerência dessa cláusula com os artigos 1º e 3º do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que rege o sistema multilateral de comércio, e ao Acordo sobre Medidas de Investimento relativas ao Comércio (Trims, na sigla em inglês). O artigo 1º prevê que qualquer preferência outorgada por um país a outro deva ser estendida a todos os demais membros da OMC. O artigo 3º dispõe que a regulação e a tributação domésticas não podem ser aplicadas sobre produtos importados com finalidade protecionista.
Na visão de Amorim, o fato de os EUA serem signatários do AGP não os alivia da obrigação de cumprir essas regras básicas do sistema multilateral do comércio. No caso das Trims, Amorim suspeita da possível exigência de conteúdo local aos bens destinados às obras públicas - uma das brechas que pode ensejar uma reclamação à OMC.
"A existência do acordo (de compras governamentais) é admitida, mas sem prejuízo dos direitos e das obrigações dos países sobre o acordo-geral do GATT", afirmou, ao final de encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Canadá, Lawrence Cannon, no qual abordou o problema.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast