A gestão de Michel Temer começou bem na área econômica. O presidente interino montou uma equipe de prestígio e a maioria das medidas que ele anunciou é condizente com o estado de emergência das contas públicas.
Para ajudar, o vento parece soprar a favor, com alguns indicadores econômicos e pesquisas de confiança sugerindo timidamente que o fim da recessão pode ocorrer ainda neste ano. Mas, sozinha, a boa intenção e os bons presságios não garantem a recuperação das finanças, nem da economia. As provas de fogo ainda estão por vir.
“O governo anunciou como pretende reverter a tendência, que já dura pelo menos duas décadas, de elevação dos gastos públicos. No entanto, ainda há incertezas acerca do consenso político para aprovar as medidas fiscais”, alertou o Banco Itaú, em relatório.
O maior desafio do ministro da Fazenda de Temer, Henrique Meirelles, é ficar imune à “síndrome de Levy”. Renomado no mercado e completo estranho no ninho petista, o ex-ministro Joaquim Levy coordenou em 2015 os esforços para o ajuste fiscal que, até ser reeleita, Dilma Rousseff dizia ser desnecessário. Sabotado pelo PT, só aprovou no Congresso versões diluídas de suas propostas. No Executivo, foi seguidamente derrotado pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, nas tentativas de fixar metas arrojadas para as contas públicas.
O novo governo não tem muito tempo. Se demorar a apresentar e aprovar propostas, pode perder não só a “lua-de-mel” com o Congresso, mas a própria janela de oportunidades criada pela sutil reação dos indicadores e da confiança na economia – e nesse caso a “síndrome” estará à espreita.
Comparação
“O PT era o maior adversário das medidas que o Levy tentava implementar. No governo atual, a coisa está muito mais azeitada”, compara o economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria e professor do Insper. “O PMDB, apesar de toda sua heterogeneidade, dá mais sustentação. O Meirelles é um animal político e tem condições de fazer articulação. E, mais importante, o próprio Temer articula no Congresso, algo que Dilma nunca fez.”
Comissionados
Dias depois de saudar o Congresso pela aprovação de aumento salarial a categorias do funcionalismo e de deixar passar a criação de 14,4 mil cargos federais, o governo anunciou na sexta-feira (10) o corte de 4.307 cargos comissionados. E promete transformar em exclusivos para concursados outros 10.462 cargos de livre provimento.
Temer já venceu três votações com impacto na economia. O Congresso aprovou a meta fiscal de 2016, com déficit recorde de R$ 170,5 bilhões, impedindo uma quase paralisia do serviço público. A Câmara aprovou a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite ao Executivo gastar onde quiser 30% da arrecadação tributária originalmente vinculados a alguma despesa. E o Senado deu aval a Ilan Goldfajn no Banco Central.
Mas as propostas que vão testar a fidelidade da base são outras. Em busca da sustentabilidade das finanças públicas no longo prazo, o governo quer passar duas medidas de pouco apelo popular: a emenda constitucional que limita os gastos públicos e a reforma da Previdência, combatida até por centrais sindicais que o apoiam.
Para Jensen, os cofres da União também carecem de medidas para apagar os incêndios do curto prazo. “Um déficit de R$ 170,5 bilhões é muito grande. As despesas estão crescendo 6,6% acima da inflação neste ano, se descontarmos as ‘despedaladas’ de 2015”, diz. “A meu ver, cortar gastos e criar impostos no ano corrente será mais difícil que aprovar as medidas mais estruturantes.”
“O setor público ainda não se ajustou à crise”
O economista Cláudio Frischtak, presidente da InterB Consultoria, dá “nota 8” para a atuação do governo Temer na área econômica. Elogia os nomes escolhidos para Fazenda, Banco Central, BNDES e Petrobras e as sinalizações que essa equipe deu até agora.
Mas, segundo Frischtak, ainda é preciso que o setor público se ajuste à crise. Sem isso, argumenta, não há como esperar que a sociedade apoie reformas como a da Previdência – e cresce o risco de que tais medidas sejam desidratadas ou rejeitadas pelo Congresso.
“O setor privado está se ajustando a duríssimas penas, vide os mais de 11 milhões de desempregados e a queda no rendimento das pessoas. Mas o setor público não se ajustou. O que vimos na Câmara, com reajustes para um conjunto de categorias, que depois podem ser extrapolados para um conjunto muito maior, sinaliza que não há uma compreensão plena do tamanho da emergência fiscal que estamos vivendo”, diz.
Para o economista, o governo tem de dar o exemplo, mesmo que com atitudes simbólicas. “É preciso mostrar que o ajuste é para todos. Quem ganha mais, quem tem mais privilégios, tem de descer à planície”, defende. “É preciso, por exemplo, tirar o avião da FAB de todos, à exceção dos presidentes dos três poderes. Os ministros que andem de aviões de carreira e peguem fila, como nós, meros mortais.”
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