Na semana passada, fui ao velório do pai de um amigo. Passei um tempo ali, em silêncio, e me peguei pensando sobre os motivos que me levaram até aquele local afinal, eu nunca havia sido apresentado ao homem que estava sendo velado. Cheguei à conclusão de que, embora nunca tivesse estado com ele, na verdade eu o conhecia em parte, por meio do legado que ele havia transmitido àquele meu amigo.
Nos dicionários, as palavras "legado" e "herança" são apresentadas como parentes próximos, sinônimos, às vezes. Herança é aquilo que se transmite por hereditariedade, e quase sempre é usado em referência a bens ou direitos. Já a expressão "legado" costuma ser usada para passar a ideia de algo menos material. Um apartamento pode ser deixado em herança, mas o legado de um indivíduo pode ser grande demais para ser contido em tijolos e cimento. Não é uma questão de dinheiro, mas outro tipo de valores.
Não é estranho que estejamos falando disso em um espaço dedicado às finanças pessoais na verdade, imagino que, depois de quatro anos de coluna, os leitores já devem estar acostumados a encontrar aqui neste espaço alguns assuntos meio esquisitos do ponto de vista estritamente financeiro. De fato, o tema vem aparecendo em estudos feitos por grandes empresas nos últimos anos.
Uma pesquisa feita pela filial americana da Allianz Seguros e divulgada há dois meses mostra que o pessoal por lá está preocupado com a transmissão dos valores familiares, e não com dinheiro. Essa é a resposta principal do grupo dos baby-boomers, a geração do pós-guerra, que está hoje com idades entre 47 e 66 anos. Sim, eles admitem que gostariam de herdar um dinheirinho também (não esqueça que o país está passando por uma longa crise, que se arrasta há pelo menos quatro anos), mas essa não é a ênfase principal. E olha que um estudo feito pelo Boston College estima em US$ 11,6 trilhões o valor das heranças a serem recebidas nos próximos anos pelos baby-bommers, cujos pais estão agora na fase final de suas trajetórias.
Não surpreende que esses temas sejam levantados agora. Esse grupo está, por assim dizer, na segunda metade da vida. São pessoas que podem olhar para trás e reconhecer alguns erros. A maioria das pessoas passa boa parte da vida adulta preocupado em acumular recursos para o futuro e deixa de se preocupar com esse patrimônio imaterial: a convivência com as novas gerações, essencial para moldar o caráter dos mais jovens e colocá-los num caminho que possa ser visto como bom. Deixar um legado, portanto.
Ganhe dinheiro, caro leitor. Faça-o render, invista com inteligência. Mas preocupe-se também com seu legado.
O que é importante
Veja a seguir as respostas mais frequentes na pesquisa da Allianz para a pergunta "O que é importante para o seu legado?":
Histórias de família são muito importantes para manter viva a memória da minha família: 86%; é muito importante para mim que meus pais deixem testamentos ou instruções para o caso de se tornarem doentes terminais ou ficarem permanentemente inconscientes: 84%; confio em meus pais para que que façam o que sentirem que é melhor: 81%; é extremamente importante para mim que as gerações futuras lembrem de meus pais e do que é importante para eles: 75%; bens pessoais são muito importantes para que eu mantenha viva a história da minha família: 64%.