Relação entre dívida, câmbio e juros complica atuação do BC
O perfil da dívida pública brasileira foi o grande "calcanhar de Aquiles" na implantação do sistema de metas para a inflação, avalia o professor José Luiz Oreiro, da UnB. Além disso, outras variáveis, como a fragilidade externa e algumas crises (o apagão, em 2001, e a crise da Argentina, em 2002), configuraram um cenário hostil à adoção do regime.
Prós e contras da meta
O Brasil está "comemorando" dez anos de adoção do Sistema de Metas para a Inflação. Ao definir uma meta para inflação, isto é, um porcentual desejável para os aumentos generalizados dos preços, o governo tanto torna pública a inflação que pretende perseguir como também deixa mais previsível para o mercado e para a sociedade a sua política de juros, a famosa taxa básica da economia (a Selic). Se a inflação "fugir" da meta, sabe-se que a reação do governo brasileiro será a de elevar os juros para conter o consumo e, assim, frear a alta dos preços.
Rígido demais, "míope" e mal executado são possivelmente as expressões mais usadas pelos críticos para definir o Sistema de Metas para a Inflação, adotado como diretriz da política monetária brasileira nos últimos dez anos. Fato é que, de acordo com essa sistemática, os diretores do Banco Central brasileiro não dormem em paz se a inflação fugir da meta. "A grande preocupação da política monetária é inflação. Não é câmbio, não é emprego, não é crescimento", diz o professor José Luiz Oreiro, da UnB.
Pelo Decreto 3.088, que instituiu o sistema e que hoje faz aniversário, as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC têm como único objetivo cumprir as metas para a inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Segundo o Decreto, se as metas não forem atingidas, cabe ao presidente do BC divulgar, em carta aberta ao ministro da Fazenda, os motivos do descumprimento, bem como as providências tomadas e prazo para o retorno da taxa de inflação aos limites estabelecidos.
E é essa "obsessão" pelo cumprimento de uma meta rígida demais, e num prazo muito curto (um ano), dizem analistas, que tem prejudicado o crescimento do país nos últimos anos.
Convergência
"Um ponto negativo, talvez o mais importante, é o formato rígido desse sistema. Ele impõe um piso muito alto para a taxa de juro, na tentativa de conter a inflação. Em outros países que adotaram as metas, o sistema é regido por um prazo mais dilatado de tempo. No Brasil, ele obedece ao calendário há uma meta para 2009, uma para 2010 e assim por diante. Quando o prazo é mais dilatado, permite que choques de oferta, que impliquem desvios da inflação, sejam passíveis de uma acomodação mais natural, eventualmente sem a necessidade de elevar os juros", diz o professor Giuliano Contento de Oliveira, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Foi o que ocorreu, por exemplo, em meados do ano passado, quando, após uma trajetória declinante da Selic, ela voltou a ser elevada pelo BC porque a inflação dava sinais de que escaparia da meta. O motivo para o aumento dos preços, no entanto, não era só o consumo interno aquecido, mas também a disparada da cotação das commodities no exterior um choque de oferta, portanto. Elevar os juros nessa situação, dizem os economistas, acaba sendo inócuo e, pior, prejudica o crescimento do país. Por isso, a sugestão seria adotar uma meta com um prazo de convergência maior que um ano, para fazer um "ajuste fino" da taxa de juros quando a inflação subisse por choques de oferta.
"Se o prazo de convergência for muito curto, o instrumento monetário tem que variar muito rapidamente. Se for mais longo, você pode trabalhar com ajustes mais suaves da taxa de juros. Melhoraria muito a condução da política monetária", sugere Oreiro, da UnB. "A rigidez desse arranjo se fez sentir na reação diante da crise, no ano passado. O BC manteve os juros que estavam subindo por conta da inflação alta de meados de 2008, causada principalmente pela disparada das commodities em vez de baixá-los. Se pudesse esperar um pouco mais e sentisse a direção mais consolidada das pressões exercidas lá de fora, teria conduta diferente, como acabou tendo no momento seguinte", diz Contento de Oliveira, da Unicamp.
Mas Robson Gonçalves, do Isae/FGV, discorda dessa posição. "O prazo de convergência é curto, mas o intervalo de tolerância é alto. Alguns países têm prazo mais longo, mas intervalo de tolerância pequeno, ou até nenhum. Com uma banda ampla do jeito que nós temos [2 pontos porcentuais para cima ou para baixo], nós podemos trabalhar com período de convergência mais estreito. Em alguns anos nós fechamos com a inflação colada no teto, o que significa que o BC foi tolerante sim", avalia. Para ele, a crítica é outra: a demora na queda da taxa real de juros. "Já é um regime bastante flexível, mas nós demoramos demais para chegar a uma taxa de juros mais baixa. Agora, por um caminho tortuoso e claramente imposto pela crise, parece que o Brasil vai conseguir completar o ciclo da política monetária e reduzir de vez suas taxas."
Uma questão de medida
Para o professor Gonçalves, uma crítica pertinente é sobre como é feita a medição da inflação adotada pelo BC. O indicador "oficial" para a definição das metas é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE. Alguns países usam um "indicador núcleo", descartando as maiores variações de preço para cima ou para baixo.
"É pegar o IPCA e, por exemplo, e desprezar as 20% maiores altas e as 20% maiores quedas, porque existem alguns elementos muito pontuais. Se a safra é ruim, os alimentos são pressionados. Se o dólar sobe, também há pressão sobre alguns produtos. Mas, trabalhando com médias aparadas, a gente teria um índice mais próprio para o regime, que está menos sujeito a choques de oferta", diz Gonçalves.
Além disso, diz o professor Oreiro, da UnB, a existência de muitos contratos indexados ao Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M), em cuja composição a variação do dólar tem bastante peso, acaba distorcendo as medições de inflação no país.
Na opinião de Oreiro, o sistema de metas poderia ter imposto um declínio mais suave para a inflação quando ele foi implantado. A meta imposta para 1999 foi de 8%, com banda de 2 pontos porcentuais. No ano seguinte, a meta era de 6%, passando para 4% em 2001. "A velocidade de queda da inflação foi muito rápida. Você deveria ter trabalhado uma desinflação mais gradual, e aí teria trabalhado com uma taxa de juros mais baixa, teria uma apreciação menor do câmbio e um crescimento maior da economia."
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