A indústria automotiva brasileira existia havia mais de meio século quando, em 2012, o governo decidiu que era hora de estimular a inovação tecnológica e proteger a produção nacional. Pressionado por montadoras, o Planalto buscava frear o avanço das importações de veículos, que atingiram níveis recordes no ano anterior. Mas também queria conter a entrada de autopeças, que as mesmas montadoras estavam importando como nunca.
A solução encontrada foi uma mistura de barreiras contra a importação, incentivos fiscais às montadoras locais e exigências mínimas de conteúdo local. O programa, batizado de Inovar-Auto, termina neste ano de forma melancólica. Custou mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos, manteve o país à distância dos principais avanços tecnológicos, estimulou a expansão de um parque industrial que hoje opera com ociosidade recorde e, recentemente, foi considerado ilegal pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
INFOGRÁFICO: o insucesso do Inovar-Auto, em números
A condenação pela OMC – por ferir as leis de livre comércio e afetar de forma injusta empresas estrangeiras – não surpreende. Especialistas alertavam desde o início para essa possibilidade. O governo, afinal, impôs um adicional de 30 pontos porcentuais de IPI sobre os carros importados, que já pagavam 35% de Imposto de Importação. Para escapar da carga extra de impostos, as empresas teriam de se instalar aqui e cumprir uma série de requisitos, entre eles o investimento em pesquisa e desenvolvimento, um índice de 65% de nacionalização de componentes e a redução no consumo energético dos veículos.
Sob alguns aspectos, funcionou. Com a ajuda da alta do dólar (que encareceu os produtos estrangeiros) e da recessão (que derrubou a demanda), o Inovar-Auto conseguiu brecar as importações – as de veículos, por exemplo, atingiram em 2016 o menor nível em uma década. E o programa atraiu uma montanha de investimentos: R$ 85 bilhões até 2018, dos quais R$ 14 bilhões para pesquisa e desenvolvimento, segundo a Anfavea (representante das montadoras).
Seduzidas pela expansão do mercado brasileiro, que atingiu seu auge bem na época da implantação do Inovar-Auto, várias empresas aderiram ao programa, entre novatas no país (como BMW, Chery, Jeep, JAC e Land Rover) e outras já estabelecidas (como Honda e Mercedes-Benz). De 2012 para cá, o número de fábricas de carros, caminhões e ônibus em operação no Brasil aumentou de 27 para 33. E a capacidade instalada cresceu de 4,5 milhões para quase 5,2 milhões de veículos por ano.
Mas no meio do caminho apareceu a maior recessão da história. O mercado interno despencou de 3,8 milhões de unidades em 2012 para 2 milhões no ano passado, o menor nível em uma década. A produção caiu abaixo de 2,2 milhões de veículos, retornando aos patamares de 2004. Quase 60% da capacidade produtiva está ociosa. A Honda, que concluiu uma fábrica no interior de São Paulo em 2015, preferiu não inaugurá-la. E a chinesa JAC desistiu de erguer a sua.
Mais de 30 mil trabalhadores foram demitidos pelas montadoras, segundo dados da Anfavea. Milhares estão em casa, com contratos suspensos ou incluídos em programas de redução de jornada e salário. A situação não é melhor nas fábricas de autopeças, com o agravante de que boa parte delas não têm uma matriz lá fora que possa socorrê-las.
País segue distante da vanguarda tecnológica
Até o fim deste ano, as montadoras têm de baixar o consumo energético de seus veículos em pelo menos 12% em relação aos níveis do início do Inovar-Auto. Testes do Inmetro sugerem que, na média, o setor está longe disso (veja quadro nesta página). Ainda que alcance a meta e cumpra os demais requisitos de inovação, a indústria nacional continuará distante da vanguarda tecnológica.
“É importante reduzir o consumo de combustível dos nossos carros. Mas é um objetivo que já nasce velho. A inovação que importa está nos veículos elétricos, híbridos, autônomos”, diz Orlando Merluzzi, presidente da consultoria MA8. Embora tenha apoiado a implantação do Inovar-Auto, que a seu ver tinha “objetivos nobres”, ele defende que daqui em diante “o conceito tem de mudar completamente”.
Para o consultor David Wong, diretor da AT Kearney, a única conquista do Inovar-Auto foi atrair investimento massivo das montadoras. “Ele não fortaleceu a cadeia produtiva”, diz. “O sistema de rastreabilidade de peças para garantir 65% de conteúdo local só entrou em operação em 2016. E as fornecedoras de segundo e terceiro nível não tiveram linhas de crédito para crescer.”
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