Esta semana o Senado Federal será palco de um debate polêmico. Nesta quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça decide se aprova ou não o projeto de lei que prevê a identificação dos usuários de internet em ações que envolvem interação, como uso de e-mails e de mensagens instantâneas, compras virtuais e a troca de arquivos. Pelo relatório do projeto, os provedores de acesso à internet seriam responsáveis pela coleta, validação e armazenamento dos dados dos internautas, como endereço, identidade e CPF.
Os usuários continuariam livres para consultar a internet, como notícias, portais de buscas e enciclopédias - sites classificados como informativos -, mas precisariam autenticar sua navegação com senha e confirmar dados pessoais para a troca de mensagens eletrônicas, o compartilhamento de arquivos, o uso de cartões de créditos ou o acesso a serviços bancários. De posse destes dados, os provedores poderiam ser acionados por órgãos de segurança e Justiça e, uma vez comprovadas fraudes, infrações online ou práticas ilícitas, o internauta estaria sujeito a passar de dois a quatro anos na prisão.
Nesta segunda-feira, em entrevista ao Globo Online, o senador Eduardo Azeredo (PSDB - MG) defendeu o projeto. Segundo ele, a identificação obrigatória de usuários é apenas "uma parte necessária" da proposta já aprovada pela Comissão de Educação do Senado e que pretende coibir práticas suspeitas e incluir os crimes cibernéticos na legislação penal brasileira. - O projeto é mais amplo do que a simples identificação do usuário porque prevê o 'disciplinamento' do uso das novas tecnologias, a inclusão dos crimes digitais no Código Penal para coibir o uso indevido de dados, clonagem de celulares e de cartões de crédito. Para punir o mau uso é preciso identificar este usuário.
O senador reconhece a polêmica gerada em torno do projeto, mas afirma que a proposta coloca o Brasil entre as principais nações que discutem atualmente segurança em internet.
- É realmente polêmico porque é um assunto novo, mas este projeto tem mais de dez anos e vem sofrendo alterações para se adequar. Uma convenção de segurança em Budapeste, assinada e apoiada por 43 nações da Comunidade Européia, terá a adesão dos Estados Unidos a partir de janeiro de 2007. Vão aplicar estas regras. É uma preocupação mundial e este projeto mostra que o Brasil deve se adaptar a esta demanda - finalizou Azeredo.
Se aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o projeto segue para votação em Plenário. Se novamente aprovado, será encaminhado à Câmara, onde o projeto foi originalmente criado, e deverá passar pelo crivo do presidente Lula.
Identificar internautas é retrocesso, diz presidente da Abranet
Leis não são as melhores soluções para evitar crimes cibernéticos e para regular a internet com a velocidade com que o meio demanda. É o que defende Antonio Tavares, presidente da Abranet (Associação Brasileira dos Provedores de Acesso e de Serviços de Internet) e um dos integrantes do Comitê Gestor de Internet, quando questionado sobre o projeto de lei que determina a identificação obrigatória dos usuários de internet , a ser votado esta semana na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Os provedores, de acordo com o projeto, seriam os principais responsáveis pela administração dos dados, bem como pela validação e coleta de documentos que identifiquem os internautas, como endereço, identidade e CPF. "Viraríamos os vilões", classifica o executivo. A recusa de Tavares ao projeto é justificada porque, segundo ele, foram inúmeras as alternativas oferecidas pela entidade para que uma lei única não fosse aprovada "de forma apressada e suspeita". Para o presidente da Abranet - que conta com mais de 50 provedores filiados e 300 empresas associadas - a aprovação deste projeto seria um retrocesso.
- Ele (o projeto) muda o Código Penal, o Código Penal Militar, abrange muito e não resolve nada, além de englobar vários outros projetos de internet que circulam pelo Planalto há mais de dez anos. Isso prova que nenhuma lei única é capaz de acompanhar os problemas que a internet gera na velocidade da demanda. É um retrocesso - afirmou Tavares. " Nenhuma lei única é capaz de acompanhar os problemas que a internet gera " Apesar de defender o senador Eduardo Azevedo (PSDB-MG) - que encabeça o projeto e que, segundo Tavares "tem demonstrado total abertura para negociações" -, o presidente da Abranet diz que, "por algum motivo que se desconhece", o processo de aprovação vem sendo acelerado, o que suspende discussões de propostas como a de criação de um Conselho Nacional de Auto-Regulamentação da Internet - nos moldes de entidades como o Conar, que regulamenta o mercado publicitário.
Ainda segundo Tavares, é falho o argumento de que, com a aprovação da lei, o Brasil faria parte de um consenso internacional - a Carta de Budapeste - que aprova o monitoramento dos acessos à internet, ação que "não conta com o apoio unânime dos países europeus" e cuja "adesão não é obrigatória". Se este projeto for aprovado, reforça Antonio Tavares, "um pequeno grupo de interessados" será beneficiado enquanto haverá uma migração em massa de usuários - não só dos criminosos cibernéticos como dos próprios internautas domésticos - para provedores de internet internacionais.
- Os usuários vão migrar de provedores nacional para internacionais, ambientes onde não existem leis claras. Admitimos que certas coisas precisam de leis, mas é muita irresponsabilidade usarmos leis para defendermos os interesses de poucos. A certificação digital, por exemplo, não é um mal para a internet, mas ainda é inacessível para a grande massa. Criaremos a internet dos bons e dos maus? - finalizou.
Aumento da burocracia
Para o diretor-geral do provedor de internet OndaRPC, Hélcio Gartner, o projeto atrapalhará mais o internauta, com aumento de burocracia, do que resolverá o problema dos crimes digitais. Segundo ele, os computadores já podem ser rastreados por meio de números IPs (Protocolo de Internet).
Hoje, os provedores são obrigados a guardar os IPs por até cinco anos. A cada vez que um usuário acessa a internet é gerado um registro com a data e hora da conexão. Mesmo assim, existem diversos métodos para "burlar" a identificação, lembra Gartner.
A autenticação sugerida sofreria dos mesmos riscos de falsificação que a atual identificação de IPs. "Periodicamente recebemos solicitação da Justiça para saber quem é o usuário de um determinado IP. Mas isso não informa quem estava usando o computador". No caso da nova autenticação, o criminoso digital poderia usar um "gerador de CPFs" facilmente encontrado na rede ou ainda conexões de outros países, como a via satélite. "Eles têm que lembrar que a internet é mundial".
Gartner cita ainda a regulamentação que obrigou o cadastro completo para a compra de celulares . Ao invés de impedir o uso dos aparelhos por criminosos, a medida acabou criando um mercado negro para a compra de chips.
Ambiente livre
O diretor da unidade de negócios de internet da Rede Paranaense de Comunicação (RPC), Denilson Farias, concorda que a proposta deve beneficiar algumas empresas. "Talvez o governo esteja fazendo um favor para as empresas, que sempre trabalharam para enriquecer seus cadastros e validar eles". O cadastro de clientes é um dos principais geradores de receita das páginas eletrônicas. Grande parte dos cadastros normalmente é preenchida com dados falsos. Com a validação proposta, as empresas poderiam selecionar somente os usuários que preenchessem os formulários com os mesmos dados dos provedores.
A principal crítica de Farias, contudo, se deve ao fato da autenticação "ferir o princípio geral da internet". "A internet nasceu como um ambiente livre, onde reina a liberdade de expressão".
O bom internauta seria o mais prejudicado: "Isso vai penalizar o usuário comum e não vai evitar que o ruim continue fazendo atos maldosos. O projeto penaliza o bom cidadão e não o criminoso", conclui Farias.
Especialista defende projeto
Apesar de 95% dos crimes cometidos pela internet estarem incluídos na atual legislação, ações como criação de vírus de computador e espionagem online ainda não têm punições previstas em lei. Na opinião de Renato Opice Blum, advogado especialista em direito eletrônico e presidente do Conselho de Comércio Eletrônico da Fecomercio, estas são algumas das vantagens que o Brasil teria ao aprovar o projeto de lei que prevê punições aos crimes cibernéticos e que vem gerando polêmica por prever a identificação obrigatória dos internautas brasileiros - a ser votado no Senado. (leia matéria completa)
Interatividade
Os leitores da Gazeta do Povo Online podem opinar, ainda sem digitar o CPF, sobre o polêmico tema. Até as 20 horas de segunda-feira (6), 337 usuários responderam a pergunta: "Você é contra ou a favor do projeto?" 46% consideraram "absurdo", 29% se disseram contra e apenas 24% são a favor de um maior controle na rede. (Clique aqui e participe da enquete)