O governo sinalizou no mês passado que pode criar um novo imposto federal sobre heranças, com o intuito de atingir os mais ricos, mas a medida é vista com cautela por especialistas.
Primeiro porque já existe uma tributação na esfera estadual que incide sobre a transmissão de heranças ou doações e o novo imposto federal pode ser considerado inconstitucional. O segundo motivo é que a criação de novas tributações sem a revisão de outras torna o sistema mais injusto para os contribuintes em geral.
“Sou contra qualquer medida proposta no sentido simplesmente de criar novos impostos. Justamente por conta disso. Não há troca. Não teríamos uma redução do PIS, Cofins ou do ICMS, por exemplo. E o sistema continuaria sendo injusto”, aponta o advogado tributarista Gilberto Luiz do Amaral, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). “O governo poderia mudar a incidência do próprio Imposto de Renda, que traz indiretamente uma tributação sobre o patrimônio, porque tributa a origem dos recursos”, diz.
51,3%
do total da arrecadação de impostos do Brasil em 2013 veio de impostos sobre bens e serviços. A tributação no país é indireta, que, por natureza, possui impostos regressivos e penaliza os mais pobres.
Melina Rocha Lukic, professora do Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV Direito Rio concorda com a ideia de que o governo deveria restruturar a tributação sobre a renda, considerada pouco progressiva. “Chegaríamos ao mesmo fim fazendo uma reestruturação no IR, criando mais progressividade e tributando mais as altas rendas. Temos instrumentos suficientes no nosso sistema para chegar ao mesmo resultado”, opina.
Estados já cobram
Hoje a única tributação direta sobre herança no Brasil é o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cobrado pelos estados e pelo Distrito Federal, que tem baixíssimo impacto na arrecadação do país. Em 2013, o ITCMD somou R$ 4,1 bilhões, representando apenas 0,24% da carga tributária do país, que atingiu R$ 1,7 trilhão (veja mais no quadro abaixo).
O sistema brasileiro se baseia na tributação indireta, que incide principalmente sobre operações relacionadas a bens e serviços. A taxação sobre esse grupo representou cerca de 51,3% da arrecadação do país em 2013, seguida por 25% sobre a folha de salários e 18,1% sobre a renda. No mesmo ano, a tributação sobre propriedade, fatia onde o novo imposto sobre heranças e o ITCMD se encaixam, foi responsável por apenas 3,9% da arrecadação brasileira.
Em países como os EUA, os tributos incidem muito sobre a renda e riqueza e pouco sobre o consumo, como bens e serviços. Por isso, as mercadorias são normalmente mais baratas naquele país, em comparação com o Brasil.
“Nos Estados Unidos a tributação sobre heranças é progressiva. Passa da isenção a ponto de tributar a 40%. Eles tributam dessa forma para que os herdeiros se esforcem tanto quanto os pais para acumular fortuna”, compara o economista José Adrian Pintos Payeras, da Universidade Estadual de Londrina.
Brasil cobra uma das alíquotas sobre heranças e doações mais baixas do mundo
O Brasil é um dos países que menos tributa heranças e doações no mundo, de acordo com levantamento da Consultoria EY em 18 nações. Enquanto a média da alíquota do ITCMD cobrada pelos estados brasileiros é de 3,86% sobre o valor herdado, no Chile a taxa é de 13%, na França, 32,5%, e na Inglaterra chega a 40%.
A diferença também é alta ao analisar as máximas: Ceará, Bahia e Santa Catarina são os estados com a maior alíquota do imposto, de 8%. No Paraná, a máxima é de 4%. Na França, a alíquota mais alta chega a 60% e na Alemanha, Suíça e Japão, 50%.
Imposto em vida
Leandro Souza, gerente de impostos e capital humano da EY, explica que muitos dos países que não possuem nenhum tipo de tributação sobre heranças cobram elevados impostos sobre renda, patrimônio e riqueza em vida dos contribuintes.
“Já existe um alto pagamento de impostos diretos em vida e, assim, os herdeiros ficam isentos na hora de transferir o patrimônio”, afirma. (TBV)
Tributo que penaliza os mais ricos é visto como afago à base petista
A criação de um imposto federal sobre herança é vista como uma tentativa da nova equipe econômica de atender ao discurso de base do PT, que defende há anos a taxação sobre grandes fortunas.
A medida, porém, é considerada pouco eficiente pelo próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
O problema é que o ajuste fiscal proposto pelo governo tem endurecido basicamente legislações que atingem os trabalhadores. O imposto sobre heranças seria, na teoria, uma forma de fazer com que classes mais altas contribuíssem com o “aperto de cintos”.
A criação de um novo imposto exigiria mudança na Constituição, que só pode ser feita por meio de emenda constitucional e dois turnos de votação no Congresso.
Ainda assim, a forma que a União poderia avançar sobre uma tributação de responsabilidade dos estados ainda não está clara. (TBV)
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