Michel Temer assumiu a presidência com o desafio de recuperar uma economia que voltou no tempo. Com uma queda estimada em 7,6% no biênio 2015-16, o PIB brasileiro está retornando aos níveis de 2010, o último ano do governo Lula.
Nunca houve resultado tão ruim na série histórica, iniciada em 1900. Nem mesmo nos anos 1980, conhecidos como a década perdida, ou no governo Collor, que confiscou a poupança. Até hoje, a única vez em que a geração de riquezas do país encolheu por dois anos seguidos foi em 1930-31, quando recuou 5,3% sob o impacto da Grande Depressão.
Confira oito países terão queda do PIB maior que a do Brasil no biênio 2015-16
Em recente entrevista à Gazeta do Povo, o economista Mansueto Almeida, convidado pelo novo governo para dirigir a Secretaria do Tesouro Nacional, disse que uma retração como a atual “não é normal em um país que não tem crise bancária ou não está em guerra”. Não é mesmo.
Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), apenas oito países terão queda do PIB mais forte que a do Brasil no acumulado de 2015 e 2016. A maioria ou está conflagrada ou é muito dependente do petróleo – ou ambos.
Na história recente, são poucos os exemplos de democracias com declínio econômico tão severo. Dois deles são da América do Sul. Na virada do milênio, quando o sistema de paridade com o dólar naufragou, a Argentina suportou quatro anos seguidos de recessão – apenas em 2002, o PIB local encolheu 10,9%. Na Venezuela, a economia anda para trás desde 2014. Com o colapso do bolivarianismo, acelerado pela queda das cotações do petróleo, a previsão para este ano é de um recuo de 8%.
Outros exemplos conhecidos são de países muito afetados pela crise financeira global ou a quebradeira na zona do euro. No biênio 2008-09, a economia irlandesa, por exemplo, despencou 7,7%, e as do Japão e da Itália caíram 6,5%. Na Grécia o PIB encolheu 26% nos últimos oito anos.
O número do PIB é apenas um resumo da penúria brasileira. Outros indicadores também estão nos piores patamares em muitos anos. A produção industrial retrocedeu mais de uma década. A taxa de juros do cheque especial está hoje mais alta que a do início do Plano Real. E o desemprego voltou aos níveis da crise de 2009.
Não é normal em um país que não tem crise bancária ou não está em guerra uma retração do PIB tão forte em dois anos.
Muitos especialistas consideram que a mera mudança de governo pode – pelo menos por alguns meses – provocar uma melhora na confiança de empresas e consumidores, capaz de reanimar a atividade econômica. Mas também há ceticismo em relação às chances de Michel Temer de implementar suas propostas, e de fazê-las funcionar.
As mais recentes previsões do mercado, feitas às vésperas do afastamento de Dilma Rousseff, supõem que, após cair 3,86% neste ano, o PIB crescerá 0,5% em 2017 e 1,6% em 2018. Ou seja, se durar até lá, Temer chegaria ao fim do mandato com a economia ainda abaixo dos níveis de 2015.
O presidente interino disse no primeiro discurso, na quinta-feira (12), que o maior desafio é estancar a “queda livre” na atividade. Suas palavras e primeiras medidas indicam que o foco estará na estabilização da economia, a cargo do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que já sinalizou cortes nas despesas públicas; no comércio exterior, com acordos comerciais bilaterais; e em concessões e privatizações.
Uma das primeiras medidas provisórias do novo governo foi a criação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), para, junto com a iniciativa privadas, executar “empreendimentos públicos de infraestrutura e outras medidas de desestatização”.
Volta no tempo
Julho de 1994 ficou marcado pela conquista do tetracampeonato pela Seleção Brasileira, após duas décadas de fracassos em Mundiais, e pelo lançamento do Plano Real. Naquele mês, os juros do cheque especial eram de 294% ao ano, em média. As taxas foram baixando com a estabilização da economia e atingiram seu menor nível em março de 2013, em 136,5% ao ano. Mas, observando a deterioração da economia, o rápido avanço do desemprego e a queda na renda, os bancos passaram a cobrar cada vez mais de quem fica com a conta no vermelho. Em março de 2016, a marca de meados de 1994 foi superada pela primeira vez, com a taxa chegando a 300,8% ao ano.
Em 2016, a produção industrial no primeiro trimestre foi a mais baixa para esse período desde 2003, ano em que Lula assumiu a presidência do país. Embalado por um dólar favorável às exportações na primeira fase do lulismo, e depois pela expansão do consumo interno, o setor cresceu por anos seguidos até sentir o baque da crise internacional, em 2009. Medidas como a redução do IPI para automóveis reanimaram a produção na sequência, mas logo as deficiências crônicas do país voltaram a travar a indústria, que sofre para exportar mesmo com o dólar mais favorável e, mais recentemente, mergulhou de vez com o colapso do mercado interno.
O IPCA recuou nos últimos meses, sob o efeito do fim do tarifaço da energia e da própria recessão, mas segue acima de 9% ao ano, o maior patamar desde o fim de 2003. Naquela época, a inflação de dois dígitos que Lula herdou de Fernando Henrique Cardoso era reflexo da forte alta do dólar em 2002, provocada pelo temor de eleição do próprio Lula, então visto como adversário radical dos setores financeiro e produtivo. Mantida sob controle durante quase todo o período lulista, em parte graças à política de juros do Banco Central de Henrique Meirelles, a inflação ficou acima do centro da meta de 4,5% do início ao fim do governo Dilma.
Quando Barack Obama tomou posse da presidênciados Estados Unidos, a economia estava no meio de um turbilhão. A crise do crédito habitacional norte-americano derrubou a atividade mundo afora. No Brasil, o desemprego nas principais regiões metropolitanas, que havia terminado 2008 em 6,8%, ficou acima de 8% em boa parte de 2009, até passar a cair com o sucesso das medidas anticrise. A taxa metropolitana atingiu o menor nível da história, de 4,3%, em dezembro de 2014. Mas depois subiu tão rápido que alcançou 8,2% em fevereiro de 2016. Em todo o país, o índice chegou a 10,9%, o maior da breve série histórica da pesquisa Pnad, iniciada em 2012.
Se confirmadas as expectativas, o Produto Interno Bruto de 2016 ficará pouco acima do nível em que terminou 2010. Naquele ano, a economia cresceu 7,5%, a maior expansão em 25 anos. Anabolizado por estímulos ao crédito e ao consumo, o crescimento ajudou Lula a eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, que jamais havia disputado uma eleição. A presidente reforçou a política de aumento dos gastos públicos, reduções de impostos e subsídios ao setor privado, e abriu um programa de concessões de infraestrutura. Mas suas intervenções na economia, a deterioração das contas públicas e a queda nos investimentos após a operação Lava Jato levaram a atividade econômica à ruína.
O varejo foi o último setor a acusar os efeitos da crise. Depois de uma década de crescimento, as vendas do chamado comércio ampliado (que inclui materiais de construção e veículos) passaram a cair em 2014. No primeiro trimestre deste ano, o tombo foi de 9,4%, o que levou o indicador a níveis próximos aos do início de 2011. A retração reflete não apenas o aumento do desemprego e a corrosão da renda dos consumidores, mas o próprio esgotamento de um modelo econômico baseado no endividamento da população e no consumo doméstico – muito útil para superar a crise mundial de 2008-09, mas incapaz de elevar de forma duradoura a produtividade do país.