Se a expectativa de vida do ser humano teve um grande salto no último século, boa parte dessa vitória se deve aos animais. Eles estão na linha de frente em diversos estudos científicos, testando medicamentos e tratamentos antes que sejam avaliados em pessoas. O uso de bichos em pesquisas sempre levantou polêmicas e, em maio, o debate voltou à tona depois que alguns jornais gaúchos noticiaram supostos maus-tratos que cães estariam sofrendo por causa de uma pesquisa de doutorado na Universidade Federal de Santa Maria.
Pelo projeto, aprovado no Comitê de Ética da universidade, cães teriam parte de sua mandíbula retirada para testar uma placa de titânio. A intenção era avaliar a utilidade do material em casos de câncer de boca, quando animais precisam passar por cirurgia de remoção de parte ou de toda a mandíbula. O doutorando responsável pela pesquisa manifestou a legitimidade do estudo e assegurou que a dor dos animais após a operação foi devidamente controlada com medicamentos.
Há quem questione a necessidade de expor animais saudáveis a uma experiência como essa. Segundo Alexander Biondo, doutor em Medicina Veterinária e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), poderia ter sido feito um estudo em todas as clínicas veterinárias do Rio Grande do Sul para que todo cão com câncer de boca ou trauma na mandíbula fosse encaminhado para Santa Maria. "Isso teria um preço bem mais caro, mas a sociedade quer pagar esse preço. A legislação prevê punição no caso da utilização de um animal para a Medicina ou pesquisa se houver meios alternativos", afirma.
Redução
A tendência é de que a prática científica em animais se reduza ao mínimo necessário. De acordo com o biólogo Valdemiro Gremski, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), várias alternativas já estão tirando muitos animais dos laboratórios. No teste de cosméticos, por exemplo, é usada uma pele artificial. Para outros procedimentos, um modelo computacional do animal é criado. Por fim, ainda existe a alternativa do experimento in vitro, quando células de animais são retiradas e cultivadas em laboratório.
No entanto, mesmo com esse avanço, ainda não é possível substituir a presença de animais em todos os casos. "Se estamos testando uma substância, temos de avaliá-la de forma sistêmica no rim, no intestino, no estômago, no cérebro. Para testes de vacina não há alternativas, ou para o câncer, Alzheimer ou estudo de um gene", afirma Gremski. Fabiano Montiani Ferreira, professor de Medicina Veterinária da UFPR, concorda que ainda é muito cedo para pensar em dispensar os animais completamente. "Ainda há muito para ser aprendido com a pesquisa animal, particularmente se tratando de órgãos e tecidos complexos, como o sistema nervoso central ou a retina", diz.
Contato com animais deve ser controlado
Os 6 mil animais que moram no Biotério Central da PUCPR têm casa, comida e qualidade de vida asseguradas. São três linhagens de camundongos, ratos e coelhos que recebem os cuidados de sete pessoas diariamente. Para entrar no local, só com autorização do responsável técnico Rafael Zotz e depois de ter tomado várias medidas. "Não pode entrar usando perfume ou desodorante que tenha perfume. Maquiagem também deve ser evitada e a pessoa não pode ter tido contato com nenhum tipo de animal naquele dia", conta o zootecnista.
O cuidado é justificável, uma vez que os animais do Biotério não podem ser contaminados. Ar condicionado, camas trocadas todos os dias e alimentação de qualidade também fazem parte da "hospedagem" . Segundo o pró-reitor Valdemiro Gremski, tudo isso é necessário para que os pesquisadores tenham animais saudáveis em suas pesquisas. "Se forem usados animais doentes, estressados ou com problemas respiratórios, o resultado da pesquisa não será real e o pesquisador pode ser desclassificado", explica.
Aprovação
Toda pesquisa com animais precisa ser aprovada pela Comissão de Ética de cada universidade antes de ser colocada em prática, assim como ocorre nas pesquisas com voluntários humanos. Segundo o membro da Comissão de Ética no uso de Animais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Waldiceu Aparecido Verri Júnior, cada pesquisador precisa justificar o uso do animal e o benefício trazido pelo experimento. Na UEL, além de ratos e camundongos em laboratório, ovelhas, bois e cavalos são mantidos em uma fazenda-escola e o hospital veterinário atende outras espécies.
Vida e Cidadania | 2:55
Confira como vivem os animais que são utilizados nas pesquisas no Biotério Central da PUCPR e no Hospital Veterinário da UFPR. Boa alimentação, ar condicionado e caminhas novas todos os dias fazem parte do programa.