A expansão dos cursos de medicina no Brasil — assim como na maior parte do ensino superior — foi maior nas instituições particulares, a ponto de haver, hoje, mais alunos matriculados no ensino privado, invertendo o cenário que predominou até uma década atrás. A qualidade da rede particular, no entanto, ainda fica abaixo da rede pública. Além disso, há barreiras para que candidatos de baixa renda tenham acesso aos cursos, seja pela grande concorrência da rede pública, seja pela alta mensalidade das instituições privadas.
As conclusões são de estudo dos professores Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e Mario Dal Poz, do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), publicado em 17 de dezembro na revista científica Human Resources for Health. O estudo leva em conta dados de estudantes matriculados em 2012, e de vagas abertas (mas não necessariamente preenchidas) até 2014. Além disso, compara o desempenho dos estudantes da rede pública e da rede privada nas duas últimas edições do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).
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Em 2010, o desempenho médio das instituições públicas foi de 4,17, numa escala que vai de 1 a 5. Já as instituições privadas tiveram desempenho inferior: 2,96. Em 2013, a média caiu para os dois grupos — 3,791 e 2,903, respectivamente — mas, permitindo que o setor público ainda se sobressaísse. “As duas avaliações, de 2010 e 2013, mostram uma diferença estatisticamente significativa de médias, demonstrando o melhor desempenho das escolas públicas sobre as escolas privadas”, diz trecho do estudo.
Nem todos os cursos de medicina foram avaliados em 2010 e 2013 no Enade. Em 2010, foram 141 instituições, das quais 66 públicas e 75 privadas. Em 2013, foram 160, sendo 67 públicas e 93 privadas.
Em 2012, havia 183 cursos de medicina em atividade, com 110.649 alunos matriculados, desde o primeiro até o último ano. Deles, 68.243, ou 61,68% do total, estavam em 109 instituições privadas. O restante, 42.406 alunos, ou 38,32%, estava em 74 instituições públicas. As privadas se concentram principalmente no Sudeste. O Norte é a região onde proporcionalmente há mais cursos públicos. Nas capitais, há mais matriculados em cursos públicos que no interior.
Pelo critério de vagas abertas, havia 241 cursos em 2014, com 20.340 vagas. Eram 136 cursos privados com 11.054 vagas (ou 54,35% do total) e 105 públicos, com 9.286 vagas (45,65 % do total). Esses números já mudaram. Na radiografia das escolas médicas, divulgada em agosto pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), já eram 257 cursos com 23.283 vagas, dos quais 146 cursos eram privados, ofertando 13.985 vagas.
“Eu entendo que profissões tão essenciais para o país, como as do sistema de saúde, deveriam ter uma expansão muito maior de instituições de ensino público. Agora se essa for a política (expansão do ensino privado), então tem que ter um planejamento e ficar claro quais são as medidas que vão ser adotadas para fiscalizar”, avaliou Mário Scheffer, em entrevista.
“É o (curso) mais lucrativo dentro do mercado de ensino privado. O curso de medicina certamente é o que dá mais retorno financeira. Não tem evasão quase, é rara. E as mensalidades...”, acrescentou.
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Cotas têm pouco impacto, diz estudo
Outro problema, na avaliação do pesquisador, é que a abertura de cursos no interior não significará necessariamente na fixação desses profissionais. É possível que essas vagas sejam preenchidas por estudantes de grandes centros que, uma vez formados, voltem para suas cidades de origem. Além disso, há barreiras financeiras para que candidatos menos abastados consigam preencher essas vagas. Já nas universidades públicas, eles dizem que as cotas têm tido pouco impacto em áreas como engenharia e medicina. O local onde o profissional faz residência médica é mais importante para a fixação do médico do que o local da graduação.
“Esse argumento do governo de que abrir cursos no interior vai fixar médicos no local ainda está muito precária. A gente não tem essa evidência. E além de não fixar nessas cidades e no entorno, ele continua sendo um curso elitista, um curso que só vai ter acesso quem tem condição de pagar. A mensalidade está de R$ 6 mil a R$ 9 mil. Então tem essa característica”, disse Scheffer, acrescentando que poucas dessas vagas são contempladas por programas como o Programa Universidade Para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
O estudo faz uma comparação de como é o ensino de medicina em outros países. Na América, a situação varia. No Chile, são 60 cursos, dos quais 35 são privados. Nos países do Caribe, dos 56 cursos, a maioria é privada, atraindo estudantes dos Estados Unidos e do Canadá. No México e na Argentina, há predomínio das instituições públicas. Na Colômbia, assim como no Brasil, houve crescimento acentuado das instituições privadas. Nos Estados Unidos, das 131 escolas médicas, 62 são privadas. No Canadá, só há cursos públicos.
Na Europa, predominam as instituições públicas. No Reino Unido, por exemplo, são 44 cursos, dos quais somente um é privado. Na Alemanha, apenas um dos 35 cursos é particular. Na Espanha, são 28 cursos, dos quais dois são privados. Na França, só há cursos públicos. Fora da Europa e da América, o estudo cita alguns países: a Índia, onde há vários cursos privados e públicos; a Austrália, com predominância dos públicos; e China e África do Sul, onde há apenas cursos públicos.
Os autores do estudo apontam três períodos de maior crescimento dos cursos privados no Brasil. O primeiro foi durante a ditadura militar. O segundo foi sob os efeitos da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996. E o último, agora, sentindo os reflexos dos incentivos do programa Mais Médicos, que, além de facilitar a entrada de médicos estrangeiros, também tem o objetivo de aumentar o número de vagas de graduação e residência.
Apesar da expansão, o estudo identifica que, até 2012, não havia na medicina uma tendência observada no restante do ensino superior: o avanço dos grandes grupos. Nas escolas médicas, ainda há muitas instituições independentes, muitas delas propriedades familiares. Quem mais se destaca são as instituições ligadas à Igreja Católica, com 3.087 alunos matriculados em 2012. Scheffer destaca que, de alguns anos para cá, porém, alguns grupos começaram a abocanhar instituições menores.
O estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Prociência, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
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