Imagine uma sala de aula. Se vier à mente um espaço em que um professor explica o conteúdo e 30 alunos sentados ouvem sem se mexer, pense de novo. Esse modelo de escola “industrial”, em que uma aula expositiva serve para todos, está com os dias contados. Embora ainda haja resistências tanto de professores, que querem continuar passando da mesma forma um conteúdo para a turma toda, como de pais e alunos, especialistas em educação afirmam que ao pensar em aprendizado, não se pode deixar de considerar as características individuais dos estudantes e a forma como cada um retém o conhecimento.
Essa educação com foco no ‘um a um’ é conhecida por vários nomes, como ensino “caracterizado” ou “personalizado”. O ganho principal da prática é o de levar em conta as etapas de desenvolvimento de cada estudante e, assim, alcançar um melhor desempenho.
“Com a vida mais urbana, a escola seguiu a padronização, funcionando como uma linha de produção. Mas essa escola onde soa uma sirene e todos fazem o mesmo já se mostrou ineficiente há um bom tempo. É impossível que 30, 40 alunos aprendam ao mesmo tempo quando alguém ensina de um jeito só”, explica o psicopedagogo Júlio Furtado, mestre em Educação e doutor em Ciências da Educação. “Nesse cenário, o ensino caracterizado se mostra uma saída interessante para o modelo de escola que se quer ter”.
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Leia a matéria completaO principal desafio desse modelo é mudar a mentalidade do educador. “Há tempos o professor tem a postura de preparar uma aula e, se os alunos não aprendem o conteúdo, surge uma série de justificativas para culpá-los”, afirma Isabel Parolin, psicopedagoga consultora educacional pela Educação Presente. “O maior obstáculo é alterar o conceito do que seja ensinar e aprender. O professor precisa entender que a boa aula não é aquela em que ele apresenta o conceito, passa atividades e cobra na prova. A boa aula favorece que o aluno pense sobre conteúdo e se aproprie do conhecimento”, diz.
Historicamente, o professor se viu como detentor do conhecimento, como alguém que tem o saber em sua cabeça e tem de transmitir para a dos alunos, que está vazia. Com a evolução da educação, quem pensa assim pode cair em uma depressão intelectual achando que será rebaixado para um simples orientador, explica Furtado. “Ainda formamos professores no padrão de 50 anos atrás, licenciaturas formam docentes especialistas em conteúdo, não em aprendizado. O professor que entendeu que seu papel é fazer o outro aprender faz aulas coletivas mais raramente, senta mais em pequenos grupos e diz, inclusive, que com isso passou a economizar a voz”, afirma.
Caminho
A primeira tarefa de um professor é buscar conhecer profundamente os alunos de sua turma, saber como agem, onde têm mais facilidade na aprendizagem, se retêm informações melhor ouvindo, visualmente ou interagindo em grupos ou sozinhos. Diante disso, é preciso ir além da aula expositiva, criar métodos ativos que foquem no aluno, de acordo com Josemary Morastoni, coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade Positivo. Nesse sentido, o professor precisa estar em constante mudança, buscando novas formas de dar aula e jeitos diferentes de trabalhar com cada aluno. “Nas diretrizes curriculares, nós trabalhamos com a questão do pensar diferente, para que o professor saia do ‘quadradinho’. Diferentemente do ensino tradicional, focar nas possibilidades e não nas dificuldades facilita a aprendizagem do aluno.”
Enquanto a educação infantil têm caráter personalizado, mais proximidade do professor com aluno e família, no ensino fundamental e médio ainda se debate o caminho para favorecer a aprendizagem voltada para cada indivíduo. O próprio caráter do ensino médio é questionado. Qual o objetivo? Foi criado para vestibular, mas continua desalinhado com a sociedade. Por isso a desistência e o índice de evasão são muito grandes.
Professores que não aguentam mais se frustrar nas escolas padronizadas têm dois caminhos, ou largam a profissão, ou vão pra algum lugar onde os alunos aprendam. Quem chega a esse limite acaba se realizando quando encontra uma escola de ensino mais personalizado, revela Furtado. Um espaço que se aproxima desse ideal é o Colégio Estadual José Leite Lopes, onde funciona o Projeto Nave, em uma favela do Rio de Janeiro. Por lá o aluno participa ativamente do processo de aprendizagem, em turmas de crianças com várias idades e um orientador com foco em tecnologia. Depois de sete anos de existência, os parâmetros de aprovação em vestibular ou testes de avaliação já se comparam aos de escolas cariocas de elite. Mas o psicopedagogo comenta que ter uma realidade como essa para todos vai demorar o tempo necessário para mudar a o paradigma que está na cabeça da maioria dos professores hoje. “Cerca de 80% ainda acredita que o problema está com os alunos, os que não param quietos, os que não prestam atenção ou os que os pais não educaram.”
Turmas numerosas e pouco tempo também prejudicam a percepção do caminho da aprendizagem de cada aluno e a abertura para que as crianças levantem hipóteses e amadureçam suas questões. Por que não aprender física analisando os chutes dos jogadores e a força que cada um tem ao lançar a bola? Ou pesquisar o que a enchente faz com as ruas, seja pela internet ou na frente da escola? Ter acesso a conteúdos de acordo com o interesse do momento é o que faz com que seja aproveitada a curiosidade natural das crianças. “Ela pode estar interessada em determinado assunto, mas é o dia de falar sobre capitanias hereditárias, então não se abre espaço para sua curiosidade. Um ensino por uma metodologia individualizada respeita o combustível do aprendizado, que é a vontade de aprender”, diz Furtado.
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