A história, como se sabe, é contada do ponto de vista dos vencedores. E isso se pode constatar em trechos de livros didáticos de história indicados pelo MEC quando tentam explicar a política econômica dos governos de Fernando Henrique Cardoso FHC e Luiz Inácio Lula da Silva a estudantes do terceiro ano do ensino médio. De acordo com eles, pelos méritos de Lula o país teve “indicadores amplamente positivos” ao passo que a política neoliberal de FHC causou “desemprego e recessão”. Um reducionismo que tende a favorecer a imagem de Lula.
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As obras, em geral, não escondem os avanços provenientes do Plano Real, iniciado no governo de Itamar Franco, e o início de um processo de redução de desigualdade social obtida já nos dois governos de FHC (1995-2002). Também não omitem as dificuldades dos governos petistas. Mas há passagens que atribuem a Lula resultados obtidos a partir de um contexto histórico; outras, ainda, revelam um viés ideológico de fundo.
Pinceladas
Confira algumas frases colocadas nos livros de história:
“Os recursos obtidos com as privatizações [no governo FHC] não foram investidos em saúde e educação, mas reverteram em lucros aos investidores e especuladores, com as altas taxas de juros”.
Por Dentro da História, Editora Escala Educacional
Análise: Não explica que os recursos levantados com a venda das estatais sanearam as contas do estado. Por outro lado, parece que só os ‘investidores e especuladores’ ganharam com o processo, o que não é verdade.
“O caso conhecido como ‘mensalão’, amplamente explorado pela imprensa liberal de oposição ao petismo, foi a denúncia mais grave do período. O PT foi acusado de organizar um esquema de compra de parlamentares para apoiar os projetos do governo, e a denúncia tomou a proporção de um escândalo sem precedentes. Os setores conservadores da sociedade e da imprensa passaram a atacar o governo diuturnamente”.
História para o Ensino Médio, Saraiva
Análise: O texto promove a tese da “imprensa golpista” quando esta revela falhas do partido. Além disso, não fala das condenações do STF.
“Opondo-se à política neoliberal, o governo [Lula] fez investimentos no setor público”.
História: Cultura e Sociedade (o Contemporâneo: Mundo das Rupturas), Positivo
Análise: Dá a impressão que a política chamada de ‘neoliberal’ nunca faz investimentos no setor público. Além disso, Lula manteve as principais características da chamada política ‘neoliberal’ de FHC.
“Os investimentos do governo Dilma em uma política desenvolvimentista e técnica capaz de aprofundar mudanças e superar entraves econômicos e sociais para o crescimento do país têm sido apontados como os principais méritos de seu governo.”
Conexões com a História, Moderna
Análise: Desde 2011, é possível atestar que a política econômica de valorização do Estado não está ‘superando entraves econômicos’.
“Em nenhum dos dois casos, nos anos de FHC e de Lula, é possível atribuir o mérito apenas à atuação do presidente, ainda que se deva reconhecer que houve uma participação importante do governo nos resultados”, explica o economista Mauro Rochlin, professor da FGV-RJ.
Lula, é consenso, conseguiu dar seguimento aos seus projetos sociais – bem-sucedidos, diga-se de passagem – graças aos resultados positivos conseguidos com as medidas adotadas em governos anteriores, principalmente pela estabilidade da moeda alcançada com o Plano Real. Se as contas do Estado não estivessem saneadas, Lula não teria recursos para colocar seus programas em prática. Os livros, porém, não deixam isso claro e criam uma espécie de ruptura com o que aconteceu antes.
No livro “Caminhos do Homem”, da Base Editorial, o governo Lula foi um sucesso por ele mesmo. Segundo a obra, “os grandes avanços obtidos em várias áreas” e a “ampliação de programas sociais que favorecem os mais pobres” são “indicadores amplamente positivos do governo Lula”. Sem contar que as duas eleições de Lula “simbolizaram a vitória de um projeto social alternativo para a consolidação da cidadania plena no país”. Já o “História3”, da Saraiva, diz que a continuidade das políticas sociais e desenvolvimentistas no governo Dilma Rousseff levou o Brasil a se tornar “a 6ª. maior economia do mundo”.
Os textos criticam o Plano Real, colocando nele a culpa por problemas da conjuntura econômica que já existiam. No livro “Novo Olhar História”, da FTD, por exemplo, o trecho que fala sobre o plano econômico já traz no título um olhar tendencioso: “Plano Real e seus custos sociais”. É a história de olhar o copo pela metade e frisar o “meio cheio” ou o “meio vazio”. “Nesse caso, é possível contar a história de modo diferente, dizendo que o Plano Real conseguiu vencer 20 anos de alta inflação, o que contribuiu para os bons resultados do governo Lula; e ainda que no governo de FHC, em meio a uma crise, houve um crescimento maior se comparado com o da presidente Dilma”, analisa Mochlin.
O viés ideológico aparece nas fontes utilizadas. Para comentar a tentativa de atração de investidores externos no governo FHC, o livro “História Geral e do Brasil”, da Scipione, critica a prioridade “da poupança externa”, em detrimento da interna. Para fundamentar sua postura, os autores citam o historiador americano marxista (não um economista) Perry Anderson, que teria qualificado a medida de “ingênua e provinciana”. “Qualquer país do mundo que precisa de um crescimento acelerado procura uma poupança externa, todos fizeram isso na época, o risco seria não ter essa poupança”, explica Gilmar Mendes Lourenço, professor da FAE Business School, de Curitiba.
Privatizações
As privatizações são outro capítulo bastante criticado nos livros. Para o “História 3”, os recursos obtidos no processo de venda de estatais “não foram investidos em saúde e educação” e reverteram lucros a “investidores e especuladores”. No livro “Por Dentro da História”, da Escala Educacional, o governo de Fernando Henrique levou ao “desmonte do Estado, conforme reza a cartilha do neoliberalismo”. Por outro lado, não são citados os processos de concessão privada que ocorreram no governo do PT nem as transferências de recursos a grupos privados por meio do BNDES para ajudar empresas nacionais a se destacarem no mercado internacional.
Apesar da polêmica, as privatizações reduziram a dívida do governo e melhoraram a eficiência de diversos setores da economia. “Essa visão dos livros é enviesada; as privatizações ocorreram porque o governo tinha uma necessidade premente de recursos e não tinha mais capacidade de investir nas empresas públicas, não houve nada de ideológico”, diz Gilmar Mendes. “As privatizações, ao contrário do escrito, não causaram pobreza, essa linguagem é quase panfletária”, completa Mochlin, da FGC-RJ. “E foram bem-sucedidas; até uma das privatizações mais polêmicas, que foi a da Vale do Rio Doce, gera mais impostos para o governo do que lucro quando era uma estatal”.
Obras trazem pitadas de ideologia em suas páginas
Aqui e ali, os livros de história indicados no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) fazem julgamentos alinhados a uma linha de pensamento político. Em uma análise de como retratam o período de redemocratização do Brasil (de Tancredo Neves até agora), em 16 das 19 obras da lista do MEC, é possível extrair alguns desses textos.
O ‘mensalão’, de acordo com o “História para o Ensino Médio”, da Saraiva, foi explorado “pela imprensa liberal de oposição do petismo” e, assim, o governo foi atacado “diuturnamente” por “setores conservadores da sociedade e da imprensa”. A obra, por outro lado, silencia o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e as condenações de petistas históricos, como o ex-Ministro Chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu.
Outro texto, da “História Geral e do Brasil”, da Scipione, fala que o governo FHC fez alianças com “um partido supostamente ético e ideológico, o PSDB, e outros partidos supostamente fisiológicos, PFL, PMDB e PTB”. Por outro lado, advoga que a ascensão do PT ao governo, “um partido considerado de esquerda”, e a “observação de sua prática administrativa” constituíram “importante aprendizado político”.
Dificuldade
Em defesa dos autores, é sempre bom lembrar a dificuldade de resumir anos de história em poucas palavras, mas o viés ideológico extremado pode gerar desinformação. “Não se pode admitir quando um texto didático, indicado pelo governo, usa interpretações quando era necessário fazer justiça e não manipulação”, avalia o cientista político da PUC-PR, Masimo Della Justina. “A longo prazo, a justiça sempre é conhecida e, quando um governante faz esforço para reinterpretá-la, está tentando contra a própria história; um estudante do ensino médio está um pouco indefeso, mas quando passa o tempo, se ele continua a estudar, percebe que [o conteúdo] era tendencioso”, explica.
Masimo levanta ainda outra questão importante sobre os autores dos livros: a possibilidade de estarem tão imbuídos da própria ideologia que nem percebam mais que relatam a história de forma enviesada. “É de se perguntar se esse viés ideológico é consciente por parte de quem faz, ou se essa pessoa foi formatada a pensar assim pela universidade que cursou e nem percebe”, alerta.
Há ainda a questão da dificuldade de lidar com fatos tão recentes, que aconteceram há menos de uma década. “Se eu fosse escrever sobre o mensalão, por exemplo, mesmo que daqui a dez anos, como fui implicado nessa história, para dar legitimidade ao texto o ideal é colocar fontes documentais, para que os alunos vissem por eles mesmos o que aconteceu e possam tirar suas conclusões”, diz Pedro Cantisano Pesquisador da FGV Direito Rio.
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