Um projeto de lei em discussão no Senado prevê que pais ou responsáveis por crianças e adolescentes compareçam a pelo menos uma reunião escolar por bimestre. Quem descumprir a exigência enfrentará penalidades similares às aplicadas ao eleitor que deixa de votar, como proibição de obter passaporte e participar de concursos públicos.
MAIS BRANDO
Aprovado pela Comissão de Educação do Senado em agosto, o novo texto poderia ser ainda mais rigoroso para os pais ausentes da vida escolar. Duas punições foram retiradas: proibição de renovação de matrícula em escola pública e de participação em qualquer ato para o qual se exija quitação com o serviço militar ou declaração de imposto de renda. O projeto será votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
O objetivo da proposta, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), é claro: reforçar que a matrícula na escola não tira a responsabilidade de os pais acompanharem o desenvolvimento educacional do estudante. Mas especialistas questionam o caráter pedagógico dela e também o rigor das sanções.
Se for aprovada, a exigência valerá para instituições públicas e privadas de educação básica (da educação infantil ao ensino médio) e a participação poderá ocorrer em reuniões de pais e mestres ou em encontros individuais com professores. Uma eventual sanção será suspensa apenas após o comparecimento a quatro reuniões agendadas pelo colégio.
Na avaliação de Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo da organização Todos pela Educação, a convivência nessas condições pode não ser eficiente. “O princípio por trás da lei é válido, mas não achamos que a forma é a adequada. Os pais têm que ir à escola porque percebem a educação como algo importante”, afirma.
Lições para os pais
O Projeto de Lei nº 189/2012 estabelece a obrigação de os pais ou responsáveis comparecerem às escolas de seus filhos. Saiba mais sobre a proposta
O que prevê
O comparecimento deve ocorrer pelo menos uma vez a cada dois meses, em todas as escolas públicas e privadas de educação básica
A participação pode ocorrer em reuniões oficiais de pais e mestres ou em conversas individuais com os professores, em espaço e tempo apropriados
O pai ou responsável poderá faltar ao trabalho pelo tempo necessário sem prejuízo ao salário
Punições
Proibição de se inscrever em concurso público e de tomar posse de cargo ou função pública
Proibição de receber remuneração ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal
Proibição de participar de concorrência pública
Proibição de obter empréstimos em estabelecimentos de crédito mantidos pelo governo, ou de cuja administração este participe. Os pais que desrespeitarem a lei também não poderão celebrar contratos com essas entidades
Proibição de tirar passaporte ou carteira de identidade
No fim de 2014, uma pesquisa do Todos pela Educação com 2.002 pais ou responsáveis mostrou que 19% deles não compareceram a nenhuma reunião escolar. Destes, 66% disseram não ter participado por falta de tempo e 30% afirmaram que era mais fácil enviar outra pessoa do domicílio. Quase metade dos que se declararam responsáveis pela vida escolar das crianças disseram ter até o ensino fundamental. “A escola é uma instituição estranha a muitas famílias, vista como algo diferente, superior. Isso promove um distanciamento”, avalia Ângelo Ricardo de Souza, professor e pesquisador do Núcleo de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Paraná.
Outro questionamento levantado por especialistas é o calendário dos encontros. “Imagine uma família com cinco filhos. Que dias são esses que a escola estabelece para os encontros?”, questiona Ângela Mendonça, professora da pós-graduação em Direito Educacional e Administração Escolar da Faculdade Bagozzi.
Exagero
O advogado Ilton Norberto Robl Filho, da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-Paraná, também a severidade das punições como outro problema no projeto. Para ele, até o Código Eleitoral é mais brando com os eleitores. “O projeto não diz o que é passível de justificativa. E a suspensão das sanções ocorrerá apenas se os pais forem a quatro reuniões. Eles vão ficar o ano inteiro sem poder participar de concursos, por exemplo”, diz.
Empregado poderá ir a reuniões sem desconto
A proposta em discussão no Senado prevê mecanismos para que a obrigação imposta aos pais possa ser cumprida. O projeto altera a legislação trabalhista, permitindo que o empregado deixe de comparecer ao serviço, sem prejuízo do salário. Para profissionais ouvidos pela reportagem, esse é um dos pontos positivos da proposta.
Outro elemento importante seria a determinação de que os estabelecimentos de ensino promovam visitas à residência do aluno, para orientar as famílias sobre a participação na vida escolar. “Hoje há uma dúvida jurídica. Muitos entendem que existe o impedimento de fazer visitas em domicílio. O projeto imputa à escola a obrigação de ter agentes que façam esse trabalho”, explica a professora de Direito Educacional Ângela Mendonça. (M.C)