Para ser justo com o treinador Dunga é preciso voltar um pouco no tempo e lembrar da anarquia instalada no time brasileiro na última Copa do Mundo. Jogadores fugindo da concentração para frequentar a noite sem o mínimo respeito aos ditames disciplinares. Foi uma avacalhação imensa, antes e durante a Copa. O regime disciplinar não foi seguido. Lamentável, com a omissão da CBF e dos responsáveis pelo selecionado nacional.
Senti uma grande saudade de Paulo Machado de Carvalho, o Marechal da Vitória nas duas primeiras Copas que ganhamos, na Suécia e no Chile. Com o paulista no comando da delegação brasileira, com certeza não teríamos oferecido ao mundo o ridículo episódio de 1998, quando Ronaldo foi escalado depois de uma convulsão que o levou emergencialmente ao hospital. Qualquer comandante sério não teria deixado o Fenômeno jogar no mínimo, ficaria internado em observação. Mas, envolvido em negócios e provavelmente em negociatas, a CBF permitiu a escalação de Ronaldo, mesmo depois do anúncio da entrada de Edmundo contra a França. Um episódio que envergonha os brasileiros, pela imprudência, negligência e imperícia.
Cito os dois exemplos para mostrar como estava a seleção brasileira, desacreditada e esnobada pelos próprios jogadores, interessados em ganhar cada vez mais dinheiro e sem o mínimo de respeito pelo país e pelos abnegados torcedores.
Finalmente a CBF desprezou as soluções convencionais para o comando técnico e foi buscar um homem de vida voltada ao trabalho sério, à disciplina e à ordem.
Chamou Dunga. A gritaria foi geral. Está documentado nos arquivos deste jornal meu posicionamento favorável à decisão tomada. Dunga não tinha perfil de técnico. Nunca o fora antes. Para compensar, reunia todas as virtudes que faltaram a Parreira, Luxemburgo e Leão. Não citei Felipão. Campeão do mundo e com as mesmas características do conterrâneo gaúcho, não continuou porque não quis.
Dunga recuperou a credibilidade da seleção brasileira, ganhou o que disputou, foi o primeiro colocado das Eliminatórias e fez uma garimpagem ampla para chegar ao grupo de 23 jogadores. Foram mais de 80 jogadores em pouco mais de 50 jogos. Ficou com os que se comprometeram com a seriedade do trabalho e a responsabilidade de uma equipe que deve respostas ao Brasil e ao mundo.
Afinal, só nós ganhamos cinco campeonatos mundiais. É o tamanho da responsabilidade de quem vai à África do Sul. O julgamento sumário que muitos querem fazer de Dunga, precisa, necessariamente, passar pela análise profunda da história recente.
A convocação feita para a Copa é o corolário de mais de três anos de trabalho, sem arranhões de natureza moral. Ganhar, ou perder, faz parte do jogo de tantos lances imprevisíveis.
O temperamento de Dunga faz parte da personalidade dele. Somos risonhos e afáveis o tempo todo?