O árbitro gaúcho Marcio Chagas da Silva tornou-se um símbolo da luta contra o racismo no futebol brasileiro. Em março, seu carro foi coberto de bananas e frases com injúria racial por torcedores do Esportivo, de Bento Gonçalves, em jogo contra o Veranópolis, pelo Gauchão. Após uma punição branda no primeiro julgamento (multa e perda de cinco mandos de campo), o Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul (TJD-RS) tirou nove pontos do Esportivo, que acabou rebaixado. Silva comemorou a decisão, mas não por muito tempo. Horas depois, viu pela televisão que o volante Marino, do São Bernardo, foi vítima de racismo no jogo contra o Paraná, na Vila Capanema, pela Copa do Brasil. Sinal nítido de que ainda há um longo caminho a percorrer até uma utópica sociedade igualitária. Ele tem feito sua parte seja como árbitro, seja como professor de Educação Física.
Ficou satisfeito com a punição ao Esportivo?
Era um julgamento que todos aguardavam, havia ansiedade por uma punição severa diante do crime que aconteceu. O primeiro julgamento teve uma pena muito branda para um crime inafiançável. Agora a punição foi coerente e condizente com a função da Justiça Desportiva de agir com rigor.
Mudou a forma como você é recebido nos estádios? Há mais respeito dos torcedores e jogadores?
Há uma receptividade muito positiva desde os fatos. Sinceramente, gostaria que esse posicionamento fosse estendido aos meus colegas independentemente da situação.
Qual condição mais pesou para a sua decisão de trazer o caso à tona: de árbitro, de professor ou de pai de família?
Foi mais a de cidadão brasileiro e o fato de eu ser pai. Meu filho vai fazer um ano e se eu me omitisse, seria uma atitude covarde. Daqui a alguns anos meu filho vai saber o que aconteceu e espero que ele tenha atitudes afirmativas contra o preconceito. Infelizmente, isso não vai terminar tão cedo. Mas plantando uma sementinha, talvez tenhamos uma sociedade mais igual, mesmo que seja uma utopia.
Como seus alunos reagiram?
Ficaram felizes com o meu posicionamento corajoso. Corri e corro risco de no futuro sofrer represália por ter exposto algo que certas pessoas poderiam ter achado melhor conduzir de outra maneira. O caso saiu do âmbito regional e ganhou repercussão internacional.
Houve procura do movimento negro para te dar apoio ou pedir o seu engajamento?
Houve procura e apoio. Estou engajado na causa participando de um grupo de pesquisa sobre os negros quilombistas. Queremos resgatar a história do negro no país, pois sabemos que a história contada na escola não é a real.
Levou o caso adiante na esfera criminal?
Está caminhando um processo na Vara Cível e há uma investigação policial. Não foi apresentado nenhum culpado até então, mas acredito que alguém vai aparecer. A gente sabe que a Justiça no Brasil é lenta, mas teve um clamor especial. O caso é recente, já houve dois julgamentos na esfera desportiva. Na esfera comum vai andar com velocidade bem diferente do normal.
Houve muitos casos de racismo neste ano. É algo que tornou mais comum ou sempre existiu e agora as pessoas estão tendo coragem de denunciar?
Sempre vi, sempre aconteceu, porém muito mais no futebol amador. Infelizmente, está acontecendo seguidamente no profissional. Agora os envolvidos estão tendo a coragem de se manifestar contra algo que antes eles se calavam. São funcionários, dependem dos clubes, tinham medo de represália. Mas hoje não estão mais aceitando preconceito e xingamentos. A impunidade também motiva que o crime aconteça mais vezes, pois as pessoas sempre acham que não vai dar em nada.
Acompanhou o caso do Marino, do São Bernardo?
Vi pela televisão. Pena que não pegam esses covardes em flagrante. Aproveitam uma situação em que os outros o protegem para mostrar quem realmente são, externar na rua um pensamento que certamente têm dentro de casa. Na frente do negro, não têm coragem de se manifestar. Quando acontece, é sempre numa situação de covardia.
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