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Há dias tenho ensaiado um texto sobre racismo no futebol. Já montei colunas na mente, avancei cinco ou seis parágrafos. Até ficar insatisfeito com o que via na tela, deletar e me refugiar em um tema mais boleiro. O caso Aranha já beira um mês, o que, no mundo atual, é tempo bastante para a espetacularização ter engolido a discussão necessária. E para a indignação de muita gente com a ofensa ao goleiro do Santos ter dado lugar a relativizações que, nas entrelinhas, dizem: "Ok, Aranha. Já te demos atenção. Agora joga tua bola e para de encher o saco".

Não há atenuante para chamar alguém de "macaco". Pouco importa se a ofensa partiu de um torcedor ou de uma manada deles. Se foi pela crença de estar diante de um ser inferior ou "só para desestabilizar o adversário". Quem chama um negro de "macaco" está, inconscientemente ou não, dando uma condição não humana a uma raça que, por décadas, foi oficialmente tratada neste país como inferior, não humana. É bem diferente de chamar um jogador loiro de "polaco fdp". Mesmo que muitos imigrantes tenham sido discriminados e explorados quando chegaram ao Brasil em vários momentos da nossa história.

Essa comparação desproporcional com ofensas a diferentes raças é o primeiro passo para atenuar casos de racismo. Comportamento que revela uma face bem mais cotidiana e cruel das relações raciais no Brasil.

A escravidão foi um problema mal resolvido por aqui. A Abolição pretendia muito mais defender a Monarquia do clamor pela República do que dar a negros e brancos condições de igualdade. A Monarquia caiu do mesmo jeito e os negros foram jogados da senzala para a rua sem o menor suporte para construir uma vida digna. A consequência foi a concentração de negros sempre à margem da sociedade, diante de uma barreira que vem cedendo ao longo do tempo, mas continua tendo muito mais gente do lado de lá que do lado de cá.

Mais jovem, fui a várias baladas da moda em que, em determinado momento, acabava percebendo ser um dos raros, quando não o único, negro no ambiente. Mesma coisa nos corredores da faculdade particular e em diferentes redações. Não eram ambientes racistas – a balada, a faculdade, as redações –, mas reflexos de uma sociedade que ainda carrega essa herança, mesmo que não perceba ou prefira não admitir.

Estádios de futebol são reflexos piorados dessa sociedade. Uma arquibancada sempre parece estar um passo atrás na evolução da humanidade. Vive sob uma regra não escrita de que aqui vale tudo, se faz de tudo em nome do clube. É nesse ponto que um torcedor se vê no direito de chamar um jogador de macaco. E que alguém mais idiota ainda acha normal botar fogo na casa de alguém que chamou um jogador de macaco.

A única chance de encerrar esse ciclo será, diante de um caso desses, discutirmos de maneira séria a presença do racismo na nossa sociedade. Por ora, temos de nos concentrar com o patético espetáculo da torcedora fazendo da sua vida um divã público. Um divã no qual todos nós deveríamos estar deitados.

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