• Carregando...
 |
| Foto:

– Pai, agora que o Brasil foi desclassificado, pra quem é que a gente torce?

–A gente torce contra a Argentina, é claro.

–A gente não podia torcer a favor, em vez de gorar os outros?

–Não. Fim melancólico pra nós, fim melancólico pra eles. É assim que funciona.

–Mas isso não é inveja?

–Não. Isso é ser brasileiro. Vai aprendendo, menino. O Nilson Cesar já disse que a gente torce contra a Argentina até em jogo de bolinha de gude.

–Pai, mas eu acho o Maradona legal. Ele é engraçado. Eu não posso torcer pra eles?

–Não. O Maradona é teimoso.

–Mas o Dunga também é teimoso.

–É outro tipo de teimoso, e falando nisso, não teima mais comigo, que aqui em casa filho meu torce sempre pro meu time.

* * * * *

–Para quem você torce?

–Para a Espanha.

–E você?

–Para a Espanha também.

–Que bom. Depois que esses alemães eliminaram a Argentina, eu só podia torcer para a Espanha mesmo.

–Eu também.

–A gente podia sair um dia desses.

–Bacana.

Ouvi esse diálogo na quarta passada no Hooters de Miami, durante o jogo entre Alemanha e Espanha. O Hooters é um bar famoso por servir frituras horrorosas e ter um ambiente divertido e bacana. Os homens adoram ir ao Hooters porque la tem cerveja boa, e todas as garotas sao lindíssimas, vestem shortinhos muito curtos e usam camisetas dois números menores. Quem conversava era um policial devidamente uniformizado, com direito a algemas e arma de dar choque na cintura, e uma das garconetes. Foi surreal.

* * * * *

Às vezes desejamos atributos, posses, status e habilidades de outrem. Quando não se obtém o que a outra pessoa tem, pode-se optar por destruir o possuidor, e aí ninguém fica com nada. Assim sendo, a vitória que o Brasil não obteve na Copa não poderia ser obtida pela Alvi­celeste, de jeito algum, nem que o preço fosse torcer pela Alemanha. E torcer contra a Alemanha, por sua vez, foi a escolha aparentemente lógica de quem torcia antes a favor da Argentina.

A inveja é um dos pecados capitais, e nesta Copa, muitos brasileiros tornaram-se pecadores, ao azarar o jogo dos hermanos. O foguetório reservado para a vitória contra a Holanda foi gasto no sábado passado, comemorando a vitória alemã. Já na comportada Miami do basquete e do futebol americano, os gritos eram a favor da Espanha: pela lógica, quem expulsou um hispano, como fez a Alemanha, nao merecia torcida.

Pode haver até uma certa lógica em falar espanhol e torcer pela Espanha. Contudo, fica complicado explicar a súbita alemanização de nossa torcida nacional, como se o Brasil fosse uma gigantesca Blumenau. Uma entidade como o Mercosul existe no papel, mas ainda não foi incorporada pela alma do brasileiro. Torcer pelo fracasso dos vizinhos é como puxar para bai­­xo quem está subindo, e é, no mínimo, insensato: nós, do alto de nossos cinco títulos mundiais, simplesmente nos rebaixamos a torcer contra vizinhos cabeludos que, a cada verão, enchem de dinheiro as nossas praias do Sul.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]