A Arena Pantanal, em Cuiabá, será fatiada após a Copa: espaços sob as arquibancadas virarão lojas, escritórios e possivelmente até uma faculdade| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo, enviado especial

Mobilidade

Em Brasília e Manaus investimentos são tímidos

Brasília e Manaus nem o argumento das obras de mobilidade urbana podem usar. Na capital federal, a matriz de responsabilidades da Copa aponta que do R$ 1,139 bilhão previsto em investimentos públicos, apenas R$ 123,7 milhões (11% do total) serão aplicados fora do Estádio Nacional – único que não pediu financiamento do BNDES. Também estão previstos R$ 640 milhões em investimentos privados para o aeroporto. Por causa de atrasos, a implantação do VLT (veículo leve sobre trilhos) foi retirada do pacote da Copa.

O mesmo ocorreu com o monotrilho e o BRT (ônibus de trânsito rápido, na sigla em inglês) previstos anteriormente para a capital amazonense, que agora não terá nenhum financiamento federal, apenas o investimento direto de R$ 327,4 milhões no aeroporto.

Entre as quatro cidades, Cuiabá é onde mais se percebe intervenções. A maior é a construção da estrutura para o VLT, com previsão de financiamento federal de R$ 423,7 milhões na matriz. Ao todo, o poder público local tomará R$ 562,2 milhões emprestados da União, além do investimento direto de R$ 90,4 milhões no aeroporto. Em Natal, a previsão é de R$ 315,7 milhões de financiamento federal e mais R$ 176,9 milhões colocados diretamente no novo aeroporto construído pela iniciativa privada – que banca R$ 400 milhões.

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Cuiabá, Manaus, Natal e Bra­­sília ganharão luxuosos presentes na passagem da Copa do Mundo pelo Brasil. Mas depois não saberão muito bem o que fazer com eles.

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Confira o roteiro da viagem realizada pela reportagem

Tal e qual os presenteados com elefantes albinos por antigos monarcas do sudeste asiático. Era uma honraria, mas os animais considerados sagrados não podiam trabalhar e, no fim das contas, davam apenas despesas.

Na concepção moderna do termo, a Arena Pantanal (R$ 518,9 milhões), a Arena da Amazônia (R$ 532,2 milhões), a Arena das Dunas (R$ 423 milhões) e o Estádio Nacional (1,015 bilhão) são os elefantes brancos brasileiros que terão de ser sustentados após o Mundial de 2014. A falta de interesse local pelo futebol, o excesso de estádios – no caso de Natal – e estudos de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e especialistas em marketing esportivo apontam nessa direção.

"Em 50 anos, mesmo se tudo der certo, essas arenas não se pagam", crava Pedro Daniel, gerente da Esporte Total, braço esportivo da consultoria BDO RCS.

O "tudo" a que ele se refere é o conceito multiuso presente nos novos estádios preparados para a Copa pelo país, que ganha mais força no discurso político para justificar o investimento de milhões em dinheiro público nas praças onde o futebol não se garante.

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Atrair shows nacionais e internacionais, eventos religiosos ou corporativos, feiras... Se transformar em um centro comercial, com lojas, escritórios, restaurantes, academias, faculdades e até baladas funcionando sob as arquibancadas... Trazer esporadicamente grandes jogos de futebol e esperar que os times locais aproveitem o embalo da Copa para crescer... De forma resumida, essa é a lista de multiutilidades apresentada pelo poder público para dar cor a seus elefantes albinos. "Grandes empresas administradoras já manifestaram interesse nos estádios, que estão sendo construídos seguindo o conceito multiuso", defende o ministro do Esporte, Aldo Rebelo.

Para especialistas, porém, o principal está em segundo plano. "Os exemplos de arenas pelo mundo mostram claramente que sem atividades esportivas é muito difícil retornar o investimento. Não acredito que deixarão de ser elefantes brancos com o conceito multiuso", opina o consultor de marketing esportivo Amir Somoggi. E o cenário das cidades torna quase impossível o desenvolvimento do viés esportivo. "Possíveis administradores dificilmente investirão no futebol", diz Daniel.

A justificativa dos governos locais para os estádios milionários também passa pelos financiamentos federais em obras urbanas e nos aeroportos (leia mais ao lado), além do desenvolvimento do potencial turístico. Algo na linha "para ter as benesses da Copa, precisamos de um estádio padrão Fifa; depois vemos o que fazer com ele".

Manter as arenas no futuro inclui um custo aproximado de 5% do valor da obra por ano. Entre as quatro, até o momento apenas Natal definiu o modelo de gestão, uma parceria público-privada (PPP). Se é quase impossível recuperar o investimento, uma solução apontada por Somoggi seria o retorno aos cidadãos com o uso social dos espaços: "Sou da opinião que os governos deveriam ser cobrados para que ofereçam os equipamentos esportivos para ações sociais constantes à população carente. Mas, conhecendo o Brasil, isso nunca ocorrerá. Nesse aspecto, somente a sociedade civil organizada pode cobrar".

Colaborou: André Gonçalves, correspondente em Brasília.

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