A prisão do ex-presidente da CBF José Maria Marin, na Suíça, junto com outros seis dirigentes da Fifa, colocou em movimento um dominó que pode terminar derrubando muitas outras peças, inclusive no Brasil.
Anos de investigação levaram a cabo, semana passada, uma operação do FBI que prendeu o dirigente esportivo brasileiro e mais seis cartolas da Fifa envolvidos em escândalos de recebimento de propina e corrupção. Por fim, na terça-feira (2), o presidente reeleito Joseph Blatter não aguentou a pressão e renunciou ao cargo.
No Brasil, os efeitos foram imediatos. Uma década e meia depois da CPI da Nike, que revelou dezenas de crimes dos principais cartolas brasileiros da época, além de listar mazelas que persistem até hoje no futebol nacional, outras duas Comissões Parlamentares de Inquérito estão no forno: uma já bem adiantada no Senado, criada por iniciativa do ex-jogador Romário (PSB-RJ), e outra mais atrasada na Câmara dos Deputados, proposta do ex-judoca João Derly (PCdoB-RS).
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“A renúncia de Joseph Blatter ao cargo de presidente da Fifa representa o início de uma nova era para o futebol mundial. Todos os gestores corruptos das confederações, mundo afora, sentirão sua queda como um tsunami. Espero, sinceramente, que o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, também renuncie”, afirmou Romário em pronunciamento oficial.
A CPI da CBF, como foi batizada, foi protocolada na véspera da reeleição de Blatter e está pronta para ser instalada. Falta definir quem será o presidente, o relator (Romário e o PMDB disputam o cargo) e os membros titulares da comissão.
O objetivo é investigar possíveis irregularidades nos contratos dos campeonatos organizados pela CBF, e nos últimos grandes eventos realizados no Brasil, como a Copa das Confederações e a Copa do Mundo. Nem os amistosos da seleção escaparão ao escrutínio da CPI.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, Derly apresentou um requerimento para abertura de uma CPI na segunda-feira (1), mas existem dez pedidos de CPI na frente do seu na fila. Como o regulamento interno não permite o funcionamento de mais de cinco comissões simultaneamente, a CPI do Senado deve ser a única a tratar do assunto no momento.
Além disso, a “bancada da bola”, afinada com os interesses dos cartolas, é forte na Câmara, enquanto o Senado possui maior independência.
Acordos e concessões feitas para a “Copa das Copas” devem ocupar parte da pauta da CPI da CBF no Senado – e da sua correspondente na Câmara, se aprovada. O Brasil foi o primeiro país-sede de uma Copa do Mundo a dar isenção total de impostos à Fifa. Com base na Lei Geral da Copa, a entidade agora sufocada por um escândalo de corrupção deixou de pagar R$ 1,5 milhões em tributos ao Brasil. Oito anos antes, a Alemanha arrecadou R$ 326 milhões em impostos somente em função das operações da Fifa para o Mundial no país.
Os contratos para 2014 firmados entre o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, e o ex-presidente da CBF e do COL, Ricardo Teixeira, estão na mira também do FBI. O governo dos Estados Unidos quer saber se houve alguma movimentação iilegal especialmente a partir de 2012, quando Teixeira passou a morar em Miami.
Ao menos por enquanto, Curitiba está fora da linha de tiro. A garantia foi dada pelo presidente do Atlético, Mario Celso Petraglia, principal agente pela Copa na cidade. “Não é aquela posição de eu não sabia. Eu sei. Tenho certeza que não houve [irregularidade]”, disse.
A ação do FBI na Suíça, tantos anos depois da CPI da Nike, mostra como os resultados em campo podem tornar as autoridades brasileiras lenientes com o crime. No relatório final da CPI, apresentado em junho de 2001, não faltaram documentos contendo provas de que o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, incorrera nos crimes de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro, entre outros, em valores na casa dos milhões de reais.
O vice-campeonato no Mundial da França, a eliminação na Olimpíada de 2000 em Sydney e os péssimos resultados nas Eliminatórias para a Copa de 2002, porém, estavam empurrando Teixeira contra as cordas. O surpreendente pentacampeonato na Ásia o redimiu e restabeleceu como personagem poderoso em Brasília.
“Quando se esperava que o Ricardo Teixeira não pudesse nem voltar mais ao país, ele subiu a rampa para ser homenageado. Foi essa impunidade que estimulou a continuidade da prática de pagamento de propinas e da corrupção”, diz o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), à época presidente da comissão instalada no Senado.
A Nike e outras grandes companhias estarão na mira da investigação sobre o papel influente que exercem no futebol brasileiro, como parte dos esforços do senador Romário de expor o que descreve como contratos suspeitos e ligações a pagamentos corruptos.
Entre as companhias cujos acordos de patrocínio com a seleção devem ser analisados estão a TAM, parte da Latam Airlines, e a Ambev, subsidiária da Anheuser-Busch InBev.
Escudo quebrado
Hoje, nem Teixeira nem Marco Polo del Nero, atual presidente da CBF, contarão com o escudo de uma seleção vitoriosa. A equipe ainda lambe as feridas do maior vexame de sua história – o 7 a 1 em casa para a Alemanha. Sem esse prestígio para ser usado como barganha política, até os velhos aliados estão dando as costas.
O senador Zezé Perrella (PDT-MG), ex-presidente do Cruzeiro e um dos representantes da bancada da bola, que chegou a trabalhar contra a criação de uma CPI para investigar a CBF em 2013, desta vez ajudou a recolher assinaturas e convencer os colegas da necessidade desta CPI.
“Estamos vendo a queda irreversível da cúpula do futebol mundial. Certamente refletirá no futebol brasileiro assim que for comprovado o envolvimento – e vai ser difícil não comprovar – dos nossos dirigentes”, disse o deputado Silvio Torres (PSDB-SP).
Ele espera que dessa vez não exista impunidade, como ocorreu depois que o relatório feito por ele foi entregue ao Ministério Público Federal, à Receita Federal e à Polícia Federal. “Havia 34 indiciamentos: 13 eram só do Ricardo Teixeira.”
Segundo o deputado, além do sucesso da seleção na Copa, Teixeira tinha uma rede de proteção política e jurídica muito forte. “Ele tinha advogados muito caros, pagos pela CBF. E a justiça brasileira não funcionou, diferentemente da americana, que em dois anos está resolvendo tudo”, disse.
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