Pela paixão e a rivalidade que instiga o futebol já foi chamado de "sublimação da guerra" pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano.
Se a figura de linguagem cabe para descrever as disputas no gramado, fora dele tem, como na batalha de verdade, deixado vítimas.
É o caso da recém-formada em Engenharia Civil Narayana Cardozo, 23 anos. Em 30 de outubro de 2005, durante uma partida entre o Paraná e o Atlético, a torcedora foi atingida por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar. O projétil acertou seu rosto. Resultado: mesmo com duas cirurgias no olho esquerdo e outras duas na pálpebra, ainda tem sequelas.
"Não enxergo quase nada [com o olho atingido], não tenho noção de espaço, tenho medo de dirigir", conta. "Sempre se diz que só apanha quem está brigando. Não foi meu caso. Houve uma confusão e eu, a menininha nerdinha, boa aluna, sofri com isso", diz a moça, que ainda hoje acompanha todos os jogos do seu time no estádio.
Por causa do resultado frustrante em campo, o expresidente do Coritiba, Jair Cirino, viu sua vida totalmente mudada. Na semana que antecedeu a partida contra o Fluminense (em 6/12/2009), o dirigente sofreu intimidações de membros da torcida organizada, que prometeu a invasão ao campo. Depois da queda, sofreu ameaças à sua segurança pessoal.
"Soltavam bombas em frente de casa, tive de deixá-la por um tempo, andar com seguranças; recebi ameaças concretas de pessoas que foram identificadas e depois processadas", lembra.
Nem os chamados de "guerreiros sem armas" por Eduardo Galeano, os jogadores, escapam. O ex-atacante do Coritiba Gelson tem cicatrizes no pescoço que não o deixam esquecer a noite em que, depois de ver, do banco, a derrota do time para o Vasco, em São Januário, foi atacado por torcedores do time da casa, em 2003.
"Eles queriam tirar satisfações por alguma provocação de algum jogador ainda durante o jogo. Invadiram o ônibus do time e, como fiquei no meio do corredor, acabei levando socos e chutes de todos os lados. Um chute me atirou para fora do ônibus. É claro que assusta passar por uma situação dessas. O jogo seguinte era contra o Fluminense, de novo no Rio; cheguei a dizer para o Paulo Bonamigo [técnico] que não queria ir", lembra o ex-jogador de 34 anos, que depois jogou em países como a Coreia do Sul e Irã.
"Nunca vi, fora do Brasil, torcidas com tamanha agressividade. No Irã, eles ficavam à beira do campo durante os treinos", conta.