Uma multidão coxa-branca tomou a Marechal Deodoro, na noite de 1º de agosto de 1985, para saudar o time campeão brasileiro| Foto: Arquivo / Gazeta do Povo
A torcida não se conteve com o primeiro título em Atletiba, em 1941. Engravatada e com chapéus, invadiu o campo e posou com os campeões
O Green Hell, criação de um grupo de torcedores na internet em 2009, ajuda a intimidar os adversários no Couto Pereira
Na volta do Recife, onde o Coritiba conquistou a Série B, a torcida foi às ruas para receber mais um time campeão
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Luiz Villa foi goleiro na época errada. Início dos anos 30, tempo em que a regra do futebol não previa substituição e Rei era o dono da meta alviverde. Pinha, como era conhecido, passou cinco anos na reserva. Deixou os gramados, voltou ao clube em 1938, como diretor social. Mas foi no ano seguinte que ele garantiu seu lugar na história do clube.

Todo dia de jogo, Pinha pendurava um bumbo no pescoço e subia do Centro ao Alto da Gló­ria, pela hoje Ubaldino do Ama­ral, batucando. Uma maneira de avisar à vizinhança que o Cori­tiba ia jogar. Começou sozinho. Até que alguém decidiu acompanhá-lo. Uma pessoa. Duas. Dez. Algumas dezenas. Não só pelas ruas, mas também no estádio. A batucada de Pinha dava o ritmo dos gritos de incentivo aos jogadores do "time dos calções ne­gros".

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"Ele não conseguia jogar, mas queria ser importante para o clube. Então começou a bater bumbo e as pessoas o seguiam até o estádio", conta Guilherme Strau­be, pesquisador do grupo Helê­nicos.

No tempo de Pinha, assistir a jogos de futebol era um programa elitizado. Nas arquibancadas, senhores de terno, gravata e cartola; senhoras de vestido longo e chapéu. Trajes formais que não impediam reações comovidas, como na decisão do Para­na­ense de 1941, a primeira contra o Atlético.

Ao fim do jogo, uma invasão de campo para celebrar o triunfo. Fotos do título, como uma das que ilustram essa página, são repletas de pessoas bem trajadas posando atrás dos jogadores. Euforia em resposta a uma ofensa proferida pelo dirigente rival Jofre Cabral e Silva. "Coxa-bran­ca", gritava a cada vez que o zagueiro Breyer, alemão de nascença, pegava na bola.

Foi o grito de "Coxa" que ecoou no Estádio Orestes Thá em julho de 1969, após a conquista do bicampeonato estadual, sobre o Água Verde. A primeira vez que a torcida coritibana assumiu para si o "apelido pejorativo". E foi cantando "Sou coxa-branca, com muito orgulho e muito amor" que, em 2005, a torcida extravasou a decepção pelo rebaixamento à Série B.

Neste intervalo de três décadas e meia, os fãs do Coritiba trocaram a frieza que por algum tempo os caracterizou por uma paixão crescente. Uniram-se.

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O primeiro conjunto organizado foi o Movimento Unido Co­­ritibano, fundado em 1968. No início, as inovações dos garotos do MUC encontraram resistência dentro da própria torcida. Quando levaram bandeiras de seda, foram repreendidos porque o adereço fazia barulho. A estreia da bandinha virou caso de polícia, chamada por outros torcedores para afastar o grupo barulhento.

"O que mais nos ofendia era quando a torcida adversária nos chamava de ‘geladeira’. Então, por uma questão de honra, resolvemos unir a torcida, para que passássemos a ser a maior torcida do estado", conta Edson Fink, um dos fundadores da facção.

Em 1972, o presidente Evan­ge­­lino Neves lançou um desafio para um Atletiba: só quem estivesse de verde e branco poderia ficar no gol de fundos, antigo setor dos mandantes. Para en­­grossar a festa, o movimento cortou um bandeirão e distribuiu as bandeirinhas pelas arquibancadas.

"O bandeirão cobria quase todo campo e nós o dividimos em 1.100 pedaços. Esse episódio fi­­cou até conhecido como o jogo das mil bandeiras", lembra João Luiz Buffara, participante do nascimento do MUC, da Mancha Verde e da Jovem.

No ano seguinte, centenas de torcedores do Coritiba, ansiosos pela chegada do time que acabara de conquistar o primeiro tricampeonato do clube, em Ban­deirantes, pegaram a estrada. Encontraram a delegação no meio do caminho e escoltaram os campeões em carreata até Curitiba.

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Nos anos 2000, novo momento de afirmação. Na final do Para­na­­ense de 2004, contra o Atlé­tico, na Arena, a reduzida porção alviverde sobrepôs-se à maioria rubro-negra e empurrou o time para o primeiro título na nova casa do rival.

A torcida do Coritiba havia, enfim, chegada ao mesmo estágio das mais apaixonadas do país. Amor testado ao longo de dois duros anos na Série B, em 2006 e 2007. Sofrimento recompensado com o heroico título sobre o Santa Cruz.

A geografia do Couto também tornou-se mais eclética. A Império Alviverde, principal organizada do clube, posiciona-se no gol de entrada. Do outro lado, a renascida Mancha e o novato Povão Coxa-Branca, com bandeiras estampando imagens de ícones do clube, como Fritz, Breyer, Krüger, Alex e o time de 85. Pela Mauá, os irreverentes Cornetas do Fosso e os tradicionalistas da reta superior. Pela Ubaldino do Amaral, muito da política do clube se define nas cadeiras superiores e os treinadores sofrem com o bafo na nuca do pessoal do anel de baixo.

Todos ajudando a fazer do Couto Pereira um inferno verde, a mais recente onda da torcida alviverde. Basta haver um grande jogo noturno para centenas de sinalizadores transformarem o Alto da Glória em um estádio temível para qualquer adversário. Ações muitas vezes combina­das pela internet, em fóruns ou no site Coxanautas.

Pinha jamais poderia imaginar que sua batucada arrastaria tamanha multidão.

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