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Ciência

A aurora do “Antropoceno”, a era dos humanos

Cunhado pelo biólogo americano Eugene F. Stoermer no início dos anos 1980, o termo "Antropoceno" passou a ser usado informalmente para destacar os impactos das atividades humanas sobre a Terra, numa referência à maneira como os geólogos nomeiam as várias eras, períodos, épocas e idades pelas quais nosso planeta passou nos seus cerca de 4,6 bilhões de anos de existência.

Agora, um novo estudo publicado na última edição da revista "Science", assim como artigo a ser apresentado na semana que vem durante a reunião anual do Fórum Econômico Mundial na cidade de Davos, Suíça, reforçam a ideia de que ele deve ser adotado oficialmente para definir o atual período que vivemos, alvo de avaliação por um grupo de trabalho criado pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS, na sigla em inglês), mais antigo órgão científico da União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS), com o objetivo de apresentar uma proposta sobre o assunto a ser votada no próximo Congresso Internacional de Geologia, marcado para 2016 na África do Sul.

No estudo na "Science", um grupo internacional de 18 pesquisadores liderado por Will Steffen, professor da Universidade Nacional da Austrália e do Centro sobre Resiliência de Estocolmo, na Suécia, analisou o estado de nove sistemas naturais de escala global considerados fundamentais para a manutenção da vida na Terra e revelou que quatro deles já ultrapassaram a chamada "fronteira planetária" para continuarem a fornecer os "serviços ecossistêmicos" dos quais nossa sociedade depende, como o suprimento de água fresca, solos férteis e estabilidade climática.

Além disso, destes quatro sistemas, dois são tão essenciais e estão sofrendo alterações tão grandes que ameaçam a própria futura sobrevivência da Humanidade: o clima, afetado principalmente pelas crescentes emissões de gases e outras substâncias causadoras do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), com exemplos de poluição tão densa como o que levou o governo chinês a emitir ontem o primeiro alerta de saúde relacionado a ela em 2015; e a perda da integridade da biosfera, traduzida por um ritmo cada vez mais rápido de extinção de espécies e redução da biodiversidade.

Já os outros sistemas que também passaram do limite apontado como "seguro" para a estabilidade do planeta são as mudanças no uso do solo, com as florestas, savanas e outros biomas que ajudam a regular os processos climáticos e biofísicos da Terra dando lugar a plantações e áreas urbanas, e os ciclos bioquímicos globais do nitrogênio e do fósforo, elementos que compõem boa parte dos fertilizantes usados na agricultura e que acabam nos oceanos, onde criam as chamadas "zonas mortas" ao reduzirem a concentração de oxigênio dissolvido na água.

"As atividades humanas podem levar a Terra a se tornar um lugar bem menos hospitaleiro, e nesta pesquisa avaliamos com mais exatidão o risco disso acontecer", diz Steffen. "Estamos começando a desestabilizar nosso próprio sistema planetário de suporte à vida. Nas mudanças climáticas, por exemplo, o risco para os humanos começa a aumentar quando as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera passam de 350 partes por milhão (ppm). No momento, estamos próximos de 400 ppm e estamos aguentando até agora, mas já estamos observando eventos climáticos extremos ficando piores, a perda de gelo nos polos e outros impactos preocupantes. Nossa análise mostra que em 450 ppm os riscos são de fato muito sérios."

Fórum

Já o artigo que será apresentado no Fórum Econômico Mundial na semana que vem, quando também vai ser publicado no recém-criado periódico científico "Anthropocene Review", montou uma espécie de "placar" com 24 indicadores — 12 das atividades humanas e 12 dos principais componentes ambientais do chamado "Sistema Terra", a soma das interações de todos processos físicos, químicos e biológicos do planeta — para ilustrar como a ação da Humanidade os alterou desde 1750, início da Revolução Industrial, até 2010.

Com isso, os pesquisadores identificaram o que chamaram de "Grande Aceleração" destas mudanças a partir de 1950, época que propõem para marcar o começo do Antropoceno no lugar do atual Holoceno, período geológico oficial iniciado após o fim da última Idade do Gelo, há cerca de 12 mil anos.

"Esperávamos já começar a ver grandes alterações desde 1750, mas o que nos surpreendeu foi que o dramático aumento (nos indicadores) só ocorreu a partir de 1950", conta Steffen, também um dos autores do artigo no "Anthropocene Review" e integrante do grupo de trabalho criado pela ICS para avaliar a possível adoção do Antropoceno.

"Entramos em uma nova época geológica, batizada Antropoceno, em que o sistema econômico global é o principal motor por trás das mudanças que a Terra vem sofrendo. É difícil superestimar a escala e velocidade destas alterações. No tempo de uma única vida a Humanidade se tornou uma força geológica em escala planetária."

Segundo os pesquisadores, de todas as opções para datar o início do Antropoceno — que o grupo de trabalho também deverá indicar em que categoria (idade ou época) deverá ser eventualmente inserido nas tabelas estratigráficas —, a Grande Aceleração é a que faz mais sentido do ponto de vista científico, já que foi apenas a partir dela que as marcas deixadas pela Humanidade na Terra superam a variabilidade natural observada no Holoceno.

Além disso, a escolha traria ainda próxima dela uma data específica que seria facilmente reconhecível pelos cientistas do futuro: segunda-feira, 16 de julho de 1945, dia da explosão da primeira bomba atômica no deserto do Novo México, EUA, que espalhou elementos radioativos específicos na atmosfera e depois se depositaram na sua superfície, acabando assim incorporados aos sedimentos e ao registro geológico do planeta.

Mas mesmo com os sistemas terrestres sob pressões inéditas causadas pela Humanidade, nem tudo está perdido, pelo menos ainda.

No artigo na "Science", os pesquisadores destacam o caso da camada de ozônio da estratosfera, que protege a vida na Terra de boa parte da ação danosa dos raios ultravioleta do Sol e é apontada como outro destes sistemas planetários essenciais. Nos anos 1980, os cientistas identificaram o aparecimento sazonal de um enorme buraco nesta capa protetora sobre a Antártica e seu afinamento em diversas outras regiões do planeta, principalmente devido às emissões humanas dos clorofluorcarbonos (CFCs).

Estáveis, não inflamáveis, pouco tóxicos e baratos de produzir, os CFCs foram inicialmente apontados como compostos "milagrosos" e eram utilizados em diversas aplicações industriais, na refrigeração e como solventes. Estes compostos, porém, acabavam liberados no ar e com o tempo migravam para a estratosfera, onde reagiam com o ozônio e destruíam esta camada de proteção. Diante disso, vários países começaram a banir seu uso, até que um tratado internacional assinado em 1987 determinou a quase completa interrupção da produção e utilização de CFCs desde os anos 1990.

Assim, nos últimos 15 anos as concentrações de ozônio têm se mantido acima do limite mínimo de segurança sobre boa parte do planeta, com exceção da Antártica na primavera austral, e a camada apresenta seguidos sinais de recuperação.

"Este é um exemplo onde, depois de a fronteira ter sido ultrapassada regionalmente, a Humanidade tomou medidas efetivas para levar o sistema de à margem de segurança", diz o estudo.

Para Steffen, viver dentro das margens de segurança dos sistemas planetários não irá necessariamente comprometer a prosperidade e conforto da Humanidade. Segundo ele, especialistas e engenheiros afirmam ser possível a Terra sustentar uma população global de 9 bilhões de pessoas dentro destes limites.

"Temos que ser espertos e inovar, mas eles dizem que podemos fazê-lo", conclui.

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